“A justiça sustenta numa das mãos a balança que pesa o direito, e na outra, a espada de que se serve para o defender. A espada sem a balança é a força brutal; a balança sem a espada é a impotência do direito” - Rudolf Von Ihering



terça-feira, 24 de setembro de 2013

O livre convencimento do delegado de polícia na análise do estado flagrancial

Ofício nº 734/2013-CRN 
Ref. Ofício nº XXX/2013 - 2ª PJ/rrm
Senhora Promotora:

Cumprimentando-a cordialmente, acuso o recebimento do Ofício nº XXX/2013 dessa 2ª Promotoria de Justiça, no qual Vossa Excelência solicita informações sobre a “autuação de prisão em flagrante” (sic), bem como sobre o “andamento do Inquérito Policial porventura instaurado” com relação ao Boletim de Ocorrência nº XXX/2013 desta Delegacia de Polícia, de natureza Furto Consumado, no qual figura como investigado XXX.

Preliminarmente ressalto que, por força no disposto no artigo 3º do Ato Normativo nº 409-PGJ/CPJ, de 4 de outubro de 2005[1], as atribuições relativas ao controle externo da atividade de polícia judiciária, no âmbito da Comarca de Pirajuí, são exercidas pelo 1º Promotor de Justiça, responsável pela atuação junto à Corregedoria da Polícia Judiciária.

Sem embargo de tal circunstância, passo a fornecer as informações solicitadas:
Na data de 26/05/2013, pela manhã, o investigado XXX foi visto caminhando nas imediações da Fazenda XXX, localizada no bairro XXX, zona rural deste município, ocasião em que teria pedido café para a vítima XXX.

Posteriormente, à tarde, logo depois do almoço, XXX retornou à propriedade rural, oportunidade em que, ao perceber que não havia ninguém na casa e que a porta estava aberta, ingressou naquele local e subtraiu para si uma furadeira elétrica e três garrafas de bebida alcoólica.
À noite, quando retornou à sua residência, a vítima constatou o furto e, por conseguinte, acionou a Polícia Militar.

Os soldados XXX e XXX, que foram chamados para atendimento da referida ocorrência, ao tomarem conhecimento dos fatos, iniciaram buscas com vistas à localização do autor do furto.
Algumas horas depois, o investigado foi localizado pelos policiais na casa de sua irmã, no Distrito da XXX, neste município, local onde também foram recuperados os objetos subtraídos.

Em seguida, as partes foram conduzidas até esta Delegacia de Polícia, para as providências de polícia judiciária cabíveis, por meio das quais a Polícia Civil exerce atribuição essencial à função jurisdicional do Estado e à defesa da ordem jurídica.

Recepcionado o fato, esta Autoridade Policial, como primeira garantidora da legalidade e da Justiça[3], passou primeiramente a avaliar se a situação apresentada era, ou não, flagrancial, conforme artigo 302 do Código de Processo Penal, que assim dispõe:

“Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:
I - está cometendo a infração penal;
II - acaba de cometê-la;
III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;
IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.”

Procedeu-se, por conseguinte, na forma preconizada na Recomendação DGP nº 1, de 13 de junho de 2005, que em seu item I assevera que “caberá exclusivamente à Autoridade Policial formar, soberanamente, sua convicção jurídica e, então, determinar, ou não, a lavratura do auto de prisão, inadmitido qualquer tipo de ingerência relativamente ao enquadramento típico da conduta e à existência de estado flagrancial”.

Assim, XXX claramente não estava cometendo a infração penal, não havia acabado de cometê-la e nem havia sido perseguido, excluindo-se de antemão as três primeiras hipóteses de flagrante delito, previstas no artigo 302 do CPP.

Por fim, analisando a hipótese de flagrância ficta ou presumida, contemplada no inciso IV do diploma legal em referência, tem-se que, para sua configuração, é necessário que o pretenso delinquente seja encontrado, logo depois do crime, com objetos que façam presumir ser ele autor da infração.

Nesse ponto, não obstante a existência de outros posicionamentos a respeito do tema, dos quais respeitosamente discordo, tenho a firme e serena convicção de que todo preceito que fere ou atinge a liberdade individual de alguém deve ser interpretado de maneira restrita, de tal forma que essa expressão, “logo depois”, deve ser delimitada ao máximo, sendo menor o arbítrio na apreciação do elemento cronológico.

Nesse sentido, destaco a seguinte doutrina:

“Abrangência da expressão ‘logo depois’: também neste contexto não se pode conferir à expressão uma larga extensão, sob pena de se frustrar o conteúdo da prisão em flagrante. Trata-se de uma situação de imediatidade, que não comporta mais do que algumas horas para findar-se. O bom senso da autoridade – policial e judiciária –, em suma, terminará por determinar se é caso de prisão em flagrante” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. p. 635).