“A justiça sustenta numa das mãos a balança que pesa o direito, e na outra, a espada de que se serve para o defender. A espada sem a balança é a força brutal; a balança sem a espada é a impotência do direito” - Rudolf Von Ihering



terça-feira, 30 de outubro de 2012

Outra vez a opinião pública derrotou a opinião publicada



Cada um irá ler e analisar o resultado da eleição com suas razões. Ou, com o fígado. Mais com o fígado do que com razões, muitos apostaram que Lula seria derrotado em São Paulo. Lula bancou sua maior aposta. E ganhou com Fernando Haddad na maior e mais poderosa cidade do Brasil.
Toneladas de papel, centenas de horas e horas nas rádios e TVs, bits e mais bits foram gastos para explicar como e porque Lula seria inexoravelmente derrotado. Se tivesse perdido, choveriam manchetes sobre a "estrondosa derrota", análises infindas brotariam com erros que teriam levado à "derrota monumental".
Já os números são inequívocos: o PT e o PSB saem da eleição com mais prefeituras e mais eleitores. Juntos, conquistaram 31% dos eleitores e 1.076 das prefeituras do Brasil. O PMDB, que encolheu, mesmo assim venceu em 1.026 cidades. Somente estes três partidos da base da presidente Dilma, PT, PMDB e PSB, governarão 2.102 das 5.556 cidades. E governarão 48% dos eleitores do Brasil.
Eduardo Campos (PSB) sai forte, fortíssimo das urnas. Pode seguir com mais espaço no governo Dilma, e pode começar a ensaiar seu voo solo. Não faltará quem queira o governador de Pernambuco em duetos, tercetos…
Aécio Neves (PSDB), no primeiro turno, também venceu. É paradoxal, como costuma ser a política, mas Aécio ganha espaço com a derrota de José Serra. Não há quem não saiba que os dois tucanos não se bicam.
José Serra perdeu para um conjunto de fatores: fadiga de material, má avaliação do prefeito Kassab, erros na campanha… mas Serra perdeu também para si mesmo.
Serra perdeu porque costuma subestimar os demais. Porque imagina, quase sempre, que "o outro" é um inimigo, seja o "outro" quem for. E essa é uma equação que não fecha. Menos ainda na política, onde a conta sempre chega.
Lula, Dilma e o PT perderam batalhas. Em Salvador, Campinas, Fortaleza, Porto Alegre, Recife… e outros tantos cantos. Como também perderam Eduardo Campos e Aécio Neves. Mas, é fato, eles venceram suas batalhas simbólicas.
Kassab e seu PSD ganharam 497 prefeituras… mas perderam a poderosa São Paulo, um símbolo com 6% do eleitorado do país.
Perderam os que superestimaram e apostaram em efeitos imediatos do julgamento no Supremo Tribunal Federal.
O chamado "mensalão" é um conjunto de fatos objetivos. De fatos graves, ou gravíssimos.
Mas não funcionou magnificar o “mensalão” ainda mais. Não funcionou fazer de conta que o "mensalão" é caso único e isolado na vida político-partidária brasileira.
O Brasil tem hoje 80 milhões de usuários na internet e 50 milhões usam redes sociais no cotidiano. Portanto, milhões e milhões de pessoas ouvem falar de outros escândalos, alguns monumentais. Esses escândalos não chegam às manchetes. Muitas vezes mal são noticiados, ou, nem são noticiados na chamada grande mídia. É como se tais escândalos não existissem.
Talvez por isso, mesmo com a gravidade do caso "mensalão", 20% dos eleitores do Brasil se abstiveram; em São Paulo, incluídos os nulos, o número bate nos 30%.
É muito, pode ser mesmo significativo de algo, mas quem é do ramo, como José Roberto de Toledo, de O Estado de S.Paulo, recomenda cautela: tais números precisam ser revistos à luz de uma atualização de cadastros; entre mortos e etc., a conta pode não ser exatamente esta.
Mas, fato objetivo, o “mensalão” não deu a vitória para quem se valeu do julgamento como arma e discurso principal na campanha.
O porque desse descompasso entre uma causa, “o mensalão”, e o que tantos buscaram, os efeitos imediatos, para esta eleição, é coisa para pesquisadores, sociólogos e demais "ólogos". Mas cabem alguns raciocínios mais simples.
Por exemplo: das 5.556 cidades do Brasil, 70% têm menos de 20 mil habitantes (com 17% do eleitorado). Seus moradores, portanto, conhecem, sabem “quem leva" e "quem não leva". E sabem que o "levar" é, infelizmente, multipartidário.
O mesmo sabem moradores de milhares de cidades com dimensões que ainda permitem saber quem é quem. Ou, “quem leva” e “quem não leva”. Talvez por isso o ex-governador de São Paulo Claudio Lembo (PSD) – que não é um perigoso esquerdista – tenha feito uma importante, intrigante pergunta depois da eleição:
- Os brasileiros estão afastados dos valores éticos, ou os eleitores se consideraram manipulados pelos mecanismos (os meios) de informação?
Diante do que se viu, se leu e se ouviu antes e durante as eleições, cabe uma constatação: em muitas porções do Brasil, e mais uma vez, a opinião pública derrotou a opinião publicada.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Brevíssimo esforço para graduação


Quando o assunto versa sobre estudar, muitos questionamentos surgem. A graduação é fundamental para todos os que pretendem e galgam novos horizontes. Eu, por exemplo, decidi que deveria estudar somente após os vinte e cinco anos, mais ou menos. Assim, retornei à escola após muitos anos de afastamento. Havia cursado até a quinta série do antigo primeiro grau. Hoje denomina-se ensino fundamental.

Posteriormente, me matriculei novamente visando terminar o que havia começado há anos e sem obter sucesso na conclusão. Então ingressei no chamado “tele sala”. Não freqüentava as aulas com regularidade. Era aquele aluno considerado o verdadeiro “aluno turista.” Lembro-me perfeitamente que foi disponibilizado para os alunos uma oportunidade de fazer uma prova para eliminar matéria. Então, num único dia, para aquele que havia realizado sua inscrição previamente poderia realizar as provas correspondente.

O resultado foi divulgado dias depois. Consegui realizar várias provas de forma que obtive aprovação em várias. Ficando somente uma para realizar futuramente. Assim, o primeiro (ensino fundamental nos dias de hoje!) grau já estava quase finalizado. A matéria pendente não teve como, precisei freqüentar a sala de aula e obter aprovação somente no dia marcado para avaliação final, juntamente com os demais colegas cuja situação era semelhante.

Para o segundo grau (atualmente ensino médio), foi ofertada situação semelhante à descrita acima sobre o ensino fundamental. Consegui ser aprovado sem maiores problemas, fui bem com notas relativamente altas. Meu ego estava satisfeito por ora.

Só que, esse tipo de ensino tem lá suas consequências e eu estava ciente disso, razão pela qual procurei recuperar o tempo perdido. Confesso que muitas coisas não tive oportunidade de ver durante o processo descrito acima, aliás, oportunidade tive sim. Na verdade, não soube aproveitar. E, em virtude disso, a única maneira de recuperar era literalmente “enfiar” a cara nos livros.

Senti muita dificuldade de quando optei e determinei que ainda queria mais no sentido de estudar. Dessa maneira, não hesitei e tão logo a oportunidade aparecera eu tomei posse dela. Escolhi um curso e pronto, lá estava eu. Curso escolhido: Direito. Tempo de duração: cinco anos, que conscientemente sabia que muitas lutas viriam.

Não tinha noção da dimensão que isso implicaria. Já nas primeiras aulas percebi que teria dificuldade em acompanhar os demais colegas por conta de estarem em nível intelectual muito superior. Entretanto, em nenhum momento me passou pela cabeça a ideia de desistir. Ciente de que não seria nada fácil, optei por esforçar-me ainda mais.

A ideia de ficar para trás e ser envergonhado não conseguiu seu intento de quando tentou tomar posse de mim. Não aceitei de pronto essa ideia negativa. Determinei que seria diferente e, assim, o foco não poderia se afastar em nenhuma circunstância. Um fato lamentável ainda estava por vir: a questão das mensalidades estava me assombrando a ponto de não permitir que dormisse tranquilamente.

Durante o primeiro ano da graduação, precisei arcar com as mensalidades. Tão logo surgiu oportunidade, me inscrevi num programa do governo estadual que garante o pagamento das mensalidades. Em contrapartida, teria que trabalhar nos finais de semana; durante oito horas por dia, durante os quatro anos restantes.

Até o momento que escrevo, já não mais faço parte desse programa. Lá fiquei durante três anos e meio. Fácil não foi. Valeu a pena o esforço, falta pouca para concluir a graduação. Entretanto, o que me levou escrever esse texto foi o fato de ter lido o esforço de um detento para concluir sua graduação.

Após ler a notícia, percebi que meu esforço não pode nem de longo ser comparado ao esforço empreendido por essa pessoa. Detalhe: não se trata de uma simples graduação. Hoje ele conta com mais de uma graduação. Abaixo, eis o link da matéria. Vale a pena conferir. 


(Preso conclui curso superior em presídio)

                               

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

A espetacularização e a ideologização do Judiciário


A ideologia que perpassa os principais pronunciamentos dos ministros do STF parece eco da voz de outros, da grande imprensa empresarial que nunca aceitou que Lula chegasse ao Planalto. Ouvem-se no plenário ecos vindos da Casa Grande, que gostaria de manter a Senzala sempre submissa e silenciosa.

Por Leonardo Boff - original aqui.

É com muita tristeza que escrevo este artigo no final da tarde desta quarta-feira, após acompanhar as falas dos ministros do Superemo Tribunal Federal. Para não me aborrecer com e-mails rancorosos vou logo dizendo que não estou defendendo a corrupção de políticos do PT e da base aliada, objeto da Ação Penal 470 sob julgamento no STF. Se malfeitos foram comprovados, eles merecem as penas cominadas pelo Código Penal. O rigor da lei se aplica a todos.

Outra coisa, entretanto, é a espetacularização do julgamento transmitido pela TV. Ai é ineludível a feira das vaidades e o vezo ideológico que perpassa a maioria dos discursos.
Desde A Ideologia Alemã, de Marx/Engels (1846), até o Conhecimento e Interesse, de J. Habermas (1968 e 1973), sabemos que por detrás de todo conhecimento e de toda prática humana age uma ideologia latente. Resumidamente, podemos dizer que a ideologia é o discurso do interesse. E todo conhecimento, mesmo o que pretende ser o mais objetivo possível, vem impregnado de interesses.

Pois, assim é a condição humana. A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. E todo o ponto de vista é a vista de um ponto. Isso é inescapável. Cabe analisar política e eticamente o tipo de interesse, a quem beneficia e a que grupos serve e que projeto de Brasil tem em mente. Como entra o povo nisso tudo? Ele continua invisível e até desprezível?

A ideologia pertence ao mundo do escondido e do implícito. Mas há vários métodos que foram desenvolvidos, coisa que exercitei anos a fio com meus alunos de epistemologia em Petrópolis, para desmascarar a ideologia. O mais simples e direto é observar a adjetivação ou a qualificação que se aplica aos conceitos básicos do discurso, especialmente, das condenações.

Em alguns discursos, como os do ministro Celso de Mello, o ideológico é gritante, até no tom da voz utilizada. Cito apenas algumas qualificações ouvidas no plenário: o mensalão seria “um projeto ideológico-partidário de inspiração patrimonialista”, um “assalto criminoso à administração pública”, “uma quadrilha de ladrões de beira de estrada” e um “bando criminoso”. Tem-se a impressão de que as lideranças do PT e até ministros não faziam outra coisa que arquitetar roubos e aliciamento de deputados, em vez de se ocuparem com os problemas de um país tão complexo como o Brasil.

Qual o interesse, escondido por detrás de doutas argumentações jurídicas? Como já foi apontado por analistas renomados do calibre de Wanderley Guilherme dos Santos, revela-se aí certo preconceito contra políticos vindos do campo popular. Mais ainda: visa-se a aniquilar toda a possível credibilidade do PT, como partido que vem de fora da tradição elitista de nossa política; procura-se indiretamente atingir seu líder carismático maior, Lula, sobrevivente da grande tribulação do povo brasileiro e o primeiro presidente operário, com uma inteligência assombrosa e habilidade política inegável.

A ideologia que perpassa os principais pronunciamentos dos ministros do STF parece eco da voz de outros, da grande imprensa empresarial que nunca aceitou que Lula chegasse ao Planalto. Seu destino e condenação é a Planície. No Planalto poderia penetrar como faxineiro e limpador dos banheiros. Mas nunca como presidente.

Ouvem-se no plenário ecos vindos da Casa Grande, que gostaria de manter a Senzala sempre submissa e silenciosa. Dificilmente, se tolera que através do PT os lascados e invisíveis começaram a discutir política e a sonhar com a reinvenção de um Brasil diferente. Tolera-se um pobre ignorante e mantido politicamente na ignorância. Tem-se verdadeiro pavor de um pobre que pensa e que fala. Pois, Lula e outros líderes populares ou convertidos à causa popular como João Pedro Stedile, começaram a falar e a implementar políticas sociais que permitiram uma Argentina inteira ser inserida na sociedade dos cidadãos.

Essa causa não pode estar sob juízo. Ela representa o sonho maior dos que foram sempre destituídos. A Justiça precisa tomar a sério esse anseio a preço de se desmoralizar, consagrando um status quo que nos faz passar internacionalmente vergonha. Justiça é sempre a justa medida, o equilíbrio entre o mais e o menos, a virtude que perpassa todas as virtudes (“a luminossísima estrela matutina” de Aristóteles). Estimo que o STF não conseguiu manter a justa medida. Ele deve honrar essa justiça-mor que encerra todas as virtudes da polis, da sociedade organizada. Então, sim, se fará justiça neste país.

Leonardo Boff é teólogo e escritor.