“A justiça sustenta numa das mãos a balança que pesa o direito, e na outra, a espada de que se serve para o defender. A espada sem a balança é a força brutal; a balança sem a espada é a impotência do direito” - Rudolf Von Ihering
segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
Casamento
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Crônicas
sábado, 22 de dezembro de 2012
Joaquim Barbosa e a marcha da sensatez
LUIZ FLÁVIO GOMES, 55, doutor em direito penal, fundou a rede de ensino LFG. Foi promotor de justiça (de 1980 a 1983), juiz (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001). Estou no professorlfg.com.br
Barbara W. Tuchman escreveu, em 1984, um dos livros mais admiráveis da humanidade: A marcha da insensatez. Cuida, essencialmente, do seguinte: como os governantes (homens públicos), em certos momentos, cometem erros homéricos, destruindo sua nação ou sua reputação. Quatro grandes acontecimentos da história são detalhadamente abordados no livro: como puderam os troianos imbecilmente puxar o famigerado cavalo de madeira para dentro dos muros de Tróia, como os papas da Renascença toscamente não foram capazes de captar as forças reformistas, impedindo a cisão protestante, como a arrogância dos lordes ingleses forjaram a libertação da América do Norte e como os americanos nesciamente se meteram na guerra do Vietnã.
A história, na verdade, é pródiga em mais exemplos de insensatez: o movimento comunista de Stalin, os fascismos, o nazismo de Hitler, a invasão do Iraque pelo ex-presidente Bush, a guerra do Afeganistão etc.
Nesta semana, no Brasil, vimos um exemplo estrondoso de insensatez, do ponto de vista jurídico, que foi o pedido do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, de prisão imediata dos réus mensaleiros. Como afirmamos anteriormente, não importa se se trata de rico ou pobre, petistas ou peessedebistas, preto ou branco: o Estado de Direito deve sempre ser respeitado. E foi isso que fez Joaquim Barbosa, na sua decisão de 21.12.12, rejeitando a insensatez jurídica do procurador-geral.
Ao indeferir a liminar, o ministro-presidente observou que “não há dados concretos que permitam apontar a necessidade da custódia cautelar dos réus (CPP, art.312), os quais, aliás, responderam ao processo em liberdade”. Assim é o direito vigente no Brasil, desde fevereiro de 2009 (HC 84.078), em decisão história do Pleno do STF. Por que seria diferente no caso do mensalão? Só para dar razão às críticas (muitas infundadas) da cúpula do PT de que o julgamento seria político e de exceção?
Antes de indeferir o pedido do procurador-geral da República, o ministro lembrou que “já foi determinada a proibição de os condenados se ausentarem do país, sem prévio conhecimento e autorização do Supremo Tribunal Federal, bem como a comunicação dessa determinação às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional”. “Por todas essas razões, indefiro o pedido”, concluiu o ministro-presidente.
Do ponto de vista jurídico, Joaquim Barbosa, nesse ato, retratou a marcha da sensatez jurídica. Carl Schmitt, no auge das suas doutrinas nazistas, afirmou: “A totalidade do direito alemão hoje em dia… deve reger-se só e exclusivamente pelo espírito do nacional-socialismo… Cada interpretação deve ser uma interpretação de acordo com o nacional-socialismo” (em Müller, Los juristas del horror). Muitos estão pretendendo repetir a história, para interpretar todo o direito de acordo com as aberrações do populismo penal midiático.
Goebbels chegou a sugerir “borrar o ano de 1789 da história da Alemanha” (ano de Revolução Francesa). A partir dessa desastrada opinião, os juristas da época iniciaram uma grande campanha contra os direitos humanos, criticando as garantias dos direitos individuais frente ao Estado, as limitações do poder estatal e as restrições do Estado para impor e fazer executar suas sentenças penais. Tudo terminou com o nazismo, o holocausto e a Segunda Guerra Mundial, com milhões de cadáveres.
Schaffstein, um dos emergentes e grandes penalistas nazistas, afirmou: “Quase todos os princípios, conceitos e distinções do nosso direito contam com o espírito do Iluminismo e, portanto, devem ser remodelados sobre a base do novo gênero de pensamento e experiência”, que é a nazista, que devia se atrelar à sã consciência do povo (Volk) alemão. A sã consciência do povo alemão está sendo substituída, no século XXI, pelo populismo penal midiático, como procurei demonstrar no meu novo livro, no prelo.
Temos que estar atentos contra os “bandoleiros da República” (como disse o Ministro Celso de Mello), pouco importando o partido político a que pertencem, punindo-os de acordo com a lei. Ao mesmo tempo, de olho nos movimentos de destruição do Estado de Direito, em nome do populismo penal midiático. Nem impunidade daqueles cuja culpabilidade esteja devidamente comprovada, consoante o devido processo legal, nem totalitarismos nazistas. A primitivização dos direitos e das garantias constitui um dos mais horrendos retrocessos civilizatórios.
sexta-feira, 14 de dezembro de 2012
Análise da obra Dom Casmurro de Machado de Assim
Direito e Literatura: do Fato à Ficção é um programa de televisão apresentado pelo procurador de Justiça do Rio Grande do Sul e professor da Unisinos Lenio Streck, onde se discute, com convidados, uma obra literária e seu diálogo com o Direito. A obra desta edição, que a ConJurreproduz a seguir, é Dom Casmurro, de Machado de Assis. Participaram do debate Jorge Trindade, professor da Faculdade de Direito da Ulbra, e Luís Augusto Fischer, professor da Faculdade de Letras da UFRGS. Veja o programa aqui.
quarta-feira, 5 de dezembro de 2012
Cinco motivos para não escrever demais em uma inicial trabalhista
Suponha que o seu processo está em uma pilha para ser examinado. O juiz está cansado e pretende apreciar apenas mais uma ação antes de encerrar o dia. Há uma petição de 60 páginas e uma outra de 3 ou 4. Qual será examinada antes?
O juiz é um ser humano normal. Ele é sujeito as mesmas vicissitudes que todos os demais mortais. Assim como você ele se perde em um texto muito longo e, se está cansado, acaba ficando dispersivo. Portanto se a inicial é muito longa as oportunidades para a sua leitura serão ainda mais reduzidos. (Saiba mais aqui)
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Informativo
quinta-feira, 29 de novembro de 2012
HÉDUCASSÃO....
Li esse pequeno texto no blog
(Portal de Poesia) e gostei do que segue, motivo pelo qual compartilho.
> A
Evolução da Educação: ****
Antigamente
se ensinava e cobrava tabuada, caligrafia, redação, datilografia...
Havia aulas de Educação Física, Moral e
Cívica, Práticas Agrícolas, práticas industriais e cantava-se o Hino Nacional,
hasteando a Bandeira Nacional antes de iniciar as aulas... *
>
Leiam o relato de uma Professora de Matemática: *
Semana
passada, comprei um produto que custou R$ 15,80. Dei à balconista R$ 20,00 e
peguei na minha bolsa 80 centavos, para evitar receber ainda mais moedas. A
balconista pegou o dinheiro e ficou olhando para a máquina registradora,
aparentemente sem saber o que fazer.
Tentei
explicar que ela tinha que me dar 5,00 reais de troco, mas ela não se convenceu
e chamou o gerente para ajudá-la. Ficou com lágrimas nos olhos enquanto o
gerente tentava explicar e ela aparentemente continuava sem entender. *
Por
que estou contando isso? Porque me dei conta da evolução do ensino de
matemática desde 1950, que foi assim: *
1.
Ensino de matemática em 1950:*
Um
lenhador vende um carro de lenha por R$ 100,00. O custo de produção é igual a
4/5 do preço de venda. Qual é o lucro?
2.
Ensino de matemática em 1970: *
Um
lenhador vende um carro de lenha por R$ 100,00. O custo de produção é igual a
4/5 do preço de venda ou R$ 80,00. Qual é o lucro?
3.
Ensino de matemática em 1980: *
Um
lenhador vende um carro de lenha por R$ 100,00. O custo de produção é R$ 80,00.
Qual é o lucro?
4.
Ensino de matemática em 1990:*
Um
lenhador vende um carro de lenha por R$ 100,00. O custo de produção é R$ 80,00.
Escolha a resposta certa, que indica o lucro: ( )R$ 20,00 ( )R$ 40,00 ( )R$
60,00 ( )R$ 80,00 ( )R$ 100,00 *
>
5. Ensino de matemática em 2000: *
Um
lenhador vende um carro de lenha por R$ 100,00.
O
custo de produção é R$ 80,00. O lucro é de R$ 20,00. Está certo? ( )SIM ( ) NÃO
6.
Ensino de matemática em 2009: *
Um
lenhador vende um carro de lenha por R$ 100,00. O custo de produção é R$ 80,00.
* Se você souber ler, coloque um X no R$ 20,00. *
(
)R$ 20,00 ( )R$ 40,00 ( )R$ 60,00 ( )R$ 80,00 ( )R$ 100,00
7. Em 2010 ...: *
Um
lenhador vende um carro de lenha por R$ 100,00. O custo de produção é R$ 80,00.
Se você souber ler, coloque um X no R$ 20,00.
(*Se
você é afro descendente, especial, indígena ou de qualquer outra minoria social
não precisa responder pois é proibido reprová-los)*. ( )R$ 20,00 ( )R$ 40,00 (
)R$ 60,00 ( )R$ 80,00 ( )R$ 100,00
E
se um moleque resolver pichar a sala de aula e a professora fizer com que ele
pinte a sala novamente, os pais ficam enfurecidos pois a professora provocou
traumas na criança.
Também
jamais levante a voz com um aluno, pois isso representa voltar ao passado
repressor (Ou pior: O aprendiz de meliante pode estar armado)
Essa
pergunta foi vencedora em um congresso sobre vida sustentável:*****
Todo
mundo está 'pensando' em deixar um planeta melhor para nossos filhos... Quando
é que se 'pensará' em deixar filhos melhores para o nosso planeta?" *****
Passe
adiante!
Precisamos
começar JÁ! *
Ou
corremos o sério risco de largarmos o mundo para um bando de analfabetos,
egocêntricos, alienados e sem a menor noção de vida em sociedade e respeito a
qualquer regra que seja!!!****
terça-feira, 27 de novembro de 2012
Delegado coloca cachorro morto em geladeira de delegacia em Roraima
A Polícia Civil de Roraima abriu um
procedimento administrativo disciplinar para apurar a conduta de um delegado da
capital, Boa Vista, que na noite de sábado (11), colocou um cachorro morto
dentro da geladeira da delegacia.
O caso veio à tona após o Sindicato dos Policiais Civil de Roraima (Sindipol-RR) denunciar o fato ao Ministério Público. O animal seria prova de um crime de maus-tratos e deveria ser encaminhado para perícia após ser apreendido pela Polícia Ambiental.
O caso veio à tona após o Sindicato dos Policiais Civil de Roraima (Sindipol-RR) denunciar o fato ao Ministério Público. O animal seria prova de um crime de maus-tratos e deveria ser encaminhado para perícia após ser apreendido pela Polícia Ambiental.
“Os PMs da Polícia Ambiental chegaram
com o animal morto, ensanguentado, ao plantão do 4º Distrito Policial na noite
de sábado. O animal havia sido morto a pauladas pelo próprio dono e estava
dentro de um saco. Como a perícia não quis ir na delegacia, porque era plantão
da madrugada, o delegado mandou os agentes colocarem o cachorro na geladeira”,
afirmou José Nilton Silva, presidente do Sindipol-RR.
“É a única geladeira da delegacia,
onde os policiais guardam água, comida, café. Ele não poderia ter posto ali.
Deveria ter solicitado que o Instituto Médico Legal (IML) removesse o animal”,
reclama Silva.
O delegado que assumiu o plantão no domingo (12), ao ficar sabendo do caso, mandou tirar o animal da geladeira, mas o cachorro já havia apodrecido. O corpo do animal foi devolvido ao dono, para que fosse enterrado. O proprietário foi indiciado por crime ambiental, mas responde em liberdade, diz o sindicato.
Segundo a Secretaria de Segurança Pública, o delegado é investigado pela Corregedoria e foi afastado nesta segunda-feira (13) das suas funções. O delegado, que registrou o termo circunstanciado de maus-tratos, confirmou que ele mesmo colocou o animal na geladeira, disse a pasta. O Ministério Público informou que também apura o caso.
O delegado que assumiu o plantão no domingo (12), ao ficar sabendo do caso, mandou tirar o animal da geladeira, mas o cachorro já havia apodrecido. O corpo do animal foi devolvido ao dono, para que fosse enterrado. O proprietário foi indiciado por crime ambiental, mas responde em liberdade, diz o sindicato.
Segundo a Secretaria de Segurança Pública, o delegado é investigado pela Corregedoria e foi afastado nesta segunda-feira (13) das suas funções. O delegado, que registrou o termo circunstanciado de maus-tratos, confirmou que ele mesmo colocou o animal na geladeira, disse a pasta. O Ministério Público informou que também apura o caso.
Publicado originalmente aqui.
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Mundo bizarro
sexta-feira, 23 de novembro de 2012
Ministro do STF Luiz Fux canta e toca guitarra na cerimônia de posse do Ministro Joaquim Barbosa
O Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, cantou (Tim Maia) e tocou guitarra durante jantar oferecido por associações de magistrados em homenagem a Joaquim Barbosa, que tomou posse como presidente do Tribunal. Assim, deixou transparecer seu lado artístico. Imperdível, confira!
http://www.youtube.com/watch?v=XCnGHyjH0SY&feature=youtu.be
domingo, 18 de novembro de 2012
Castigo no grau máximo
O acusador é norte-americano e os fatos aconteceram no Texas (EUA). Duríssima acusação contra um criminoso extremamente perigoso, acusado de cinco assassinatos, dois sequestros, três extorsões e dez roubos. O plenário estava lotado. A sustentação oral do promotor foi brilhante e apaixonada. Surpreendeu todos os presentes, tantos foram os adjetivos ofensivos dirigidos ao réu. Estava tão emocionado e transtornado e desejava tanto a condenação do réu, que encerrou seu discurso dizendo: – “O único castigo adequado para este crápula é a pena de morte, no seu grau máximo” (Fonte de inspiração: Bulla, Humor legal).
segunda-feira, 12 de novembro de 2012
O desagravo a Lewandowski
Do grande magistrado se
espera a sabedoria, não a erudição desenfreada e vazia dos que cultivam
citações fora do contexto. Espera-se a simplicidade, não a empáfia dos pavões.
Espera-se a responsabilidade dos que sabem estar tratando com o destino de
pessoas; não a insensibilidade dos indiferentes ou o orgasmo dos sádicos.
O grande magistrado faz-se
ao longo de sua história, e não através do grande momento, da bala de prata, do
discurso rebuscado e irresponsável que acomete os vaidosos quando expostos aos
holofotes da mídia. Espera-se do grande magistrado a coragem verdadeira, dos
que não relutam em enfrentar até os assassinatos de reputação sem abrir mão de
suas convicções ; e não a coragem enganadora dos berros, dos gritos de quem
quer se fazer notar pelo escândalo.
O Ministro Ricardo
Lewandowski fala alemão. Jamais alguém assistiu embates ridículos de erudição,
como esse desafio vazio de Spy x Spy, Barbosa x Gilmar, para saber quem domina
mais o alemão. Não pretende chocar, como Marco Aurélio de Mello, mas tem a
coragem de investir contra a maioria, quando se trata de seguir sua
consciência.
Com seu ar de lente, está
longe da esperteza de praia de Luiz Fux, do ar melífluo de Ayres Britto, da
falsa solenidade de Celso de Mello ou do ar de presidente de Diretório
Acadêmico de Toffoli.
O Ministro aplicou penas
severas, sim, tão severas quanto as de qualquer juiz não afetado pelas pressões
externas da turba. Mas não cedeu um milímetro em suas convicções. Nem quando
foi cercado pelos colegas, ao tentar demonstrar o erro de interpretação na
teoria do domínio do fato. Nem quando foi alvo de campanhas inomináveis de
colunistas estimuladores de linchamentos.
Se um dia esse Supremo for
dignificado, será pelo Ministro simples, cordato, sensível que tentou trazer a
noção de humanidade e de justiça a um grupo embrigado pelas luzes de neon da
cobertura jornalística.
Clique aqui para assinar o
Manifesto de Desagravo a Lewandowski, preparado pelo Blod da Cidadania.
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Política
quinta-feira, 8 de novembro de 2012
Imagem em ação
terça-feira, 30 de outubro de 2012
Outra vez a opinião pública derrotou a opinião publicada
Cada um irá ler e analisar o resultado da eleição com suas razões. Ou,
com o fígado. Mais com o fígado do que com razões, muitos apostaram que Lula
seria derrotado em São Paulo. Lula bancou sua maior aposta. E ganhou com
Fernando Haddad na maior e mais poderosa cidade do Brasil.
Toneladas de papel, centenas de horas e horas nas rádios e TVs, bits e
mais bits foram gastos para explicar como e porque Lula seria inexoravelmente
derrotado. Se tivesse perdido, choveriam manchetes sobre a "estrondosa
derrota", análises infindas brotariam com erros que teriam levado à
"derrota monumental".
Já os números são inequívocos: o PT e o PSB saem da eleição com mais
prefeituras e mais eleitores. Juntos, conquistaram 31% dos eleitores e 1.076
das prefeituras do Brasil. O PMDB, que encolheu, mesmo assim venceu em 1.026
cidades. Somente estes três partidos da base da presidente Dilma, PT, PMDB e
PSB, governarão 2.102 das 5.556 cidades. E governarão 48% dos eleitores do
Brasil.
Eduardo Campos (PSB) sai forte, fortíssimo das urnas. Pode seguir com
mais espaço no governo Dilma, e pode começar a ensaiar seu voo solo. Não
faltará quem queira o governador de Pernambuco em duetos, tercetos…
Aécio Neves (PSDB), no primeiro turno, também venceu. É paradoxal, como
costuma ser a política, mas Aécio ganha espaço com a derrota de José Serra. Não
há quem não saiba que os dois tucanos não se bicam.
José Serra perdeu para um conjunto de fatores: fadiga de material, má
avaliação do prefeito Kassab, erros na campanha… mas Serra perdeu também para
si mesmo.
Serra perdeu porque costuma subestimar os demais. Porque imagina, quase
sempre, que "o outro" é um inimigo, seja o "outro" quem
for. E essa é uma equação que não fecha. Menos ainda na política, onde a conta
sempre chega.
Lula, Dilma e o PT perderam batalhas. Em Salvador, Campinas, Fortaleza,
Porto Alegre, Recife… e outros tantos cantos. Como também perderam Eduardo
Campos e Aécio Neves. Mas, é fato, eles venceram suas batalhas simbólicas.
Kassab e seu PSD ganharam 497 prefeituras… mas perderam a poderosa São
Paulo, um símbolo com 6% do eleitorado do país.
Perderam os que superestimaram e apostaram em efeitos imediatos do
julgamento no Supremo Tribunal Federal.
O chamado "mensalão" é um conjunto de fatos objetivos. De
fatos graves, ou gravíssimos.
Mas não funcionou magnificar o “mensalão” ainda mais. Não funcionou
fazer de conta que o "mensalão" é caso único e isolado na vida
político-partidária brasileira.
O Brasil tem hoje 80 milhões de usuários na internet e 50 milhões usam
redes sociais no cotidiano. Portanto, milhões e milhões de pessoas ouvem falar
de outros escândalos, alguns monumentais. Esses escândalos não chegam às
manchetes. Muitas vezes mal são noticiados, ou, nem são noticiados na chamada
grande mídia. É como se tais escândalos não existissem.
Talvez por isso, mesmo com a gravidade do caso "mensalão", 20%
dos eleitores do Brasil se abstiveram; em São Paulo, incluídos os nulos, o
número bate nos 30%.
É muito, pode ser mesmo significativo de algo, mas quem é do ramo, como
José Roberto de Toledo, de O Estado de S.Paulo, recomenda cautela: tais números
precisam ser revistos à luz de uma atualização de cadastros; entre mortos e
etc., a conta pode não ser exatamente esta.
Mas, fato objetivo, o “mensalão” não deu a vitória para quem se valeu do
julgamento como arma e discurso principal na campanha.
O porque desse descompasso entre uma causa, “o mensalão”, e o que tantos
buscaram, os efeitos imediatos, para esta eleição, é coisa para pesquisadores,
sociólogos e demais "ólogos". Mas cabem alguns raciocínios mais
simples.
Por exemplo: das 5.556 cidades do Brasil, 70% têm menos de 20 mil
habitantes (com 17% do eleitorado). Seus moradores, portanto, conhecem, sabem
“quem leva" e "quem não leva". E sabem que o "levar"
é, infelizmente, multipartidário.
O mesmo sabem moradores de milhares de cidades com dimensões que ainda
permitem saber quem é quem. Ou, “quem leva” e “quem não leva”. Talvez por isso
o ex-governador de São Paulo Claudio Lembo (PSD) – que não é um perigoso
esquerdista – tenha feito uma importante, intrigante pergunta depois da
eleição:
- Os brasileiros estão afastados dos valores éticos, ou os eleitores se
consideraram manipulados pelos mecanismos (os meios) de informação?
Diante do que se viu, se leu e se ouviu antes e durante as eleições,
cabe uma constatação: em muitas porções do Brasil, e mais uma vez, a opinião
pública derrotou a opinião publicada.
FONTE: Terra Magazine
quinta-feira, 25 de outubro de 2012
quinta-feira, 18 de outubro de 2012
Brevíssimo esforço para graduação
Quando
o assunto versa sobre estudar, muitos questionamentos surgem. A graduação é
fundamental para todos os que pretendem e galgam novos horizontes. Eu, por
exemplo, decidi que deveria estudar somente após os vinte e cinco anos, mais ou
menos. Assim, retornei à escola após muitos anos de afastamento. Havia cursado
até a quinta série do antigo primeiro grau. Hoje denomina-se ensino fundamental.
Posteriormente,
me matriculei novamente visando terminar o que havia começado há anos e sem
obter sucesso na conclusão. Então ingressei no chamado “tele sala”. Não
freqüentava as aulas com regularidade. Era aquele aluno considerado o
verdadeiro “aluno turista.” Lembro-me perfeitamente que foi disponibilizado
para os alunos uma oportunidade de fazer uma prova para eliminar matéria.
Então, num único dia, para aquele que havia realizado sua inscrição previamente
poderia realizar as provas correspondente.
O
resultado foi divulgado dias depois. Consegui realizar várias provas de forma
que obtive aprovação em várias. Ficando somente uma para realizar futuramente.
Assim, o primeiro (ensino fundamental nos dias de hoje!) grau já estava quase
finalizado. A matéria pendente não teve como, precisei freqüentar a sala de
aula e obter aprovação somente no dia marcado para avaliação final, juntamente
com os demais colegas cuja situação era semelhante.
Para
o segundo grau (atualmente ensino médio), foi ofertada situação semelhante à
descrita acima sobre o ensino fundamental. Consegui ser aprovado sem maiores
problemas, fui bem com notas relativamente altas. Meu ego estava satisfeito por
ora.
Só
que, esse tipo de ensino tem lá suas consequências e eu estava ciente disso,
razão pela qual procurei recuperar o tempo perdido. Confesso que muitas coisas não
tive oportunidade de ver durante o processo descrito acima, aliás, oportunidade
tive sim. Na verdade, não soube aproveitar. E, em virtude disso, a única
maneira de recuperar era literalmente “enfiar” a cara nos livros.
Senti
muita dificuldade de quando optei e determinei que ainda queria mais no sentido
de estudar. Dessa maneira, não hesitei e tão logo a oportunidade aparecera eu
tomei posse dela. Escolhi um curso e pronto, lá estava eu. Curso escolhido:
Direito. Tempo de duração: cinco anos, que conscientemente sabia que muitas
lutas viriam.
Não
tinha noção da dimensão que isso implicaria. Já nas primeiras aulas percebi que
teria dificuldade em acompanhar os demais colegas por conta de estarem em nível
intelectual muito superior. Entretanto, em nenhum momento me passou pela cabeça
a ideia de desistir. Ciente de que não seria nada fácil, optei por esforçar-me
ainda mais.
A
ideia de ficar para trás e ser envergonhado não conseguiu seu intento de quando
tentou tomar posse de mim. Não aceitei de pronto essa ideia negativa.
Determinei que seria diferente e, assim, o foco não poderia se afastar em
nenhuma circunstância. Um fato lamentável ainda estava por vir: a questão das
mensalidades estava me assombrando a ponto de não permitir que dormisse
tranquilamente.
Durante
o primeiro ano da graduação, precisei arcar com as mensalidades. Tão logo
surgiu oportunidade, me inscrevi num programa do governo estadual que garante o
pagamento das mensalidades. Em contrapartida, teria que trabalhar nos finais de
semana; durante oito horas por dia, durante os quatro anos restantes.
Até
o momento que escrevo, já não mais faço parte desse programa. Lá fiquei durante
três anos e meio. Fácil não foi. Valeu a pena o esforço, falta pouca para
concluir a graduação. Entretanto, o que me levou escrever esse texto foi o fato
de ter lido o esforço de um detento para concluir sua graduação.
Após
ler a notícia, percebi que meu esforço não pode nem de longo ser comparado ao
esforço empreendido por essa pessoa. Detalhe: não se trata de uma simples
graduação. Hoje ele conta com mais de uma graduação. Abaixo, eis o link da
matéria. Vale a pena conferir.
(Preso conclui curso superior em presídio)
quinta-feira, 11 de outubro de 2012
sexta-feira, 5 de outubro de 2012
A espetacularização e a ideologização do Judiciário
A
ideologia que perpassa os principais pronunciamentos dos ministros do STF
parece eco da voz de outros, da grande imprensa empresarial que nunca aceitou
que Lula chegasse ao Planalto. Ouvem-se no plenário ecos vindos da Casa Grande,
que gostaria de manter a Senzala sempre submissa e silenciosa.
Por Leonardo Boff - original aqui.
É com muita tristeza que
escrevo este artigo no final da tarde desta quarta-feira, após acompanhar as
falas dos ministros do Superemo Tribunal Federal. Para não me aborrecer com
e-mails rancorosos vou logo dizendo que não estou defendendo a corrupção de
políticos do PT e da base aliada, objeto da Ação Penal 470 sob julgamento no
STF. Se malfeitos foram comprovados, eles merecem as penas cominadas pelo
Código Penal. O rigor da lei se aplica a todos.
Outra coisa, entretanto, é a
espetacularização do julgamento transmitido pela TV. Ai é ineludível a feira
das vaidades e o vezo ideológico que perpassa a maioria dos discursos.
Desde A Ideologia Alemã, de
Marx/Engels (1846), até o Conhecimento e Interesse, de J. Habermas (1968 e
1973), sabemos que por detrás de todo conhecimento e de toda prática humana age
uma ideologia latente. Resumidamente, podemos dizer que a ideologia é o
discurso do interesse. E todo conhecimento, mesmo o que pretende ser o mais
objetivo possível, vem impregnado de interesses.
Pois, assim é a condição
humana. A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. E todo o ponto de vista é
a vista de um ponto. Isso é inescapável. Cabe analisar política e eticamente o
tipo de interesse, a quem beneficia e a que grupos serve e que projeto de
Brasil tem em mente. Como entra o povo nisso tudo? Ele continua invisível e até
desprezível?
A ideologia pertence ao mundo
do escondido e do implícito. Mas há vários métodos que foram desenvolvidos,
coisa que exercitei anos a fio com meus alunos de epistemologia em Petrópolis,
para desmascarar a ideologia. O mais simples e direto é observar a adjetivação
ou a qualificação que se aplica aos conceitos básicos do discurso,
especialmente, das condenações.
Em alguns discursos, como os do
ministro Celso de Mello, o ideológico é gritante, até no tom da voz utilizada.
Cito apenas algumas qualificações ouvidas no plenário: o mensalão seria “um
projeto ideológico-partidário de inspiração patrimonialista”, um “assalto
criminoso à administração pública”, “uma quadrilha de ladrões de beira de
estrada” e um “bando criminoso”. Tem-se a impressão de que as lideranças do PT
e até ministros não faziam outra coisa que arquitetar roubos e aliciamento de
deputados, em vez de se ocuparem com os problemas de um país tão complexo como
o Brasil.
Qual o interesse, escondido por
detrás de doutas argumentações jurídicas? Como já foi apontado por analistas
renomados do calibre de Wanderley Guilherme dos Santos, revela-se aí certo
preconceito contra políticos vindos do campo popular. Mais ainda: visa-se a
aniquilar toda a possível credibilidade do PT, como partido que vem de fora da
tradição elitista de nossa política; procura-se indiretamente atingir seu líder
carismático maior, Lula, sobrevivente da grande tribulação do povo brasileiro e
o primeiro presidente operário, com uma inteligência assombrosa e habilidade política
inegável.
A ideologia que perpassa os
principais pronunciamentos dos ministros do STF parece eco da voz de outros, da
grande imprensa empresarial que nunca aceitou que Lula chegasse ao Planalto.
Seu destino e condenação é a Planície. No Planalto poderia penetrar como
faxineiro e limpador dos banheiros. Mas nunca como presidente.
Ouvem-se no plenário ecos
vindos da Casa Grande, que gostaria de manter a Senzala sempre submissa e
silenciosa. Dificilmente, se tolera que através do PT os lascados e invisíveis
começaram a discutir política e a sonhar com a reinvenção de um Brasil diferente.
Tolera-se um pobre ignorante e mantido politicamente na ignorância. Tem-se
verdadeiro pavor de um pobre que pensa e que fala. Pois, Lula e outros líderes
populares ou convertidos à causa popular como João Pedro Stedile, começaram a
falar e a implementar políticas sociais que permitiram uma Argentina inteira
ser inserida na sociedade dos cidadãos.
Essa causa não pode estar sob
juízo. Ela representa o sonho maior dos que foram sempre destituídos. A Justiça
precisa tomar a sério esse anseio a preço de se desmoralizar, consagrando um
status quo que nos faz passar internacionalmente vergonha. Justiça é sempre a
justa medida, o equilíbrio entre o mais e o menos, a virtude que perpassa todas
as virtudes (“a luminossísima estrela matutina” de Aristóteles). Estimo que o
STF não conseguiu manter a justa medida. Ele deve honrar essa justiça-mor que
encerra todas as virtudes da polis, da sociedade organizada. Então, sim, se
fará justiça neste país.
Leonardo Boff é teólogo e escritor.
sábado, 29 de setembro de 2012
Dalmo Dallari critica vazamento de votos e diz que mídia cobre STF “como se fosse um comício”
Dalmo Dallari: “Eu não sei se devido à pressão muito forte da imprensa ou por qualquer outro fator, o fato é que o próprio STF tem cometido equívocos, agido de maneira inadequada de forma a comprometer a sua própria autoridade”. Foto: Enemat
por Conceição Lemes
Nessa quinta-feira 27, aconteceu a 29ª audiência da Ação Penal 470, o chamado mensalão. A cada semana de julgamento – foi-se a nona –, aumentam os questionamentos sobre os aspectos jurídicos, éticos e midiáticos do processo (leia AQUI e AQUI).
“Eu não sei se devido à pressão muito forte da imprensa ou por qualquer outro fator, o fato é que o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) tem cometido equívocos, agido de maneira inadequada de forma a comprometer a sua própria autoridade”, alerta o jurista Dalmo de Abreu Dallari. “Muitas vezes ministros antecipam a veículos o que vão dizer no plenário.”
“Na semana passada, o jornal o Estado de S. Paulo noticiou com todas as letras o que Joaquim Barbosa iria dizer no seu voto naquele dia (leia AQUI e AQUI). E o ministro disse exatamente aquilo que o jornal havia antecipado. Isso foi um erro grave do ministro”, afirma Dallari. “O ministro não deve – jamais! — entregar o seu voto a alguém, seja quem for, antes da sessão do tribunal, quando vai enunciá-lo em público. É absolutamente inadmissível comunicar o voto antes, compromete a boa imagem do Judiciário, a imagem de independência e imparcialidade.”
“Muitas vezes a imprensa, querendo o sensacionalismo e se antecipar aos outros órgãos de comunicação, busca penetrar na intimidade do juiz”, observa Dallari. “Isso é contrário ao interesse público. Não tem nada a ver com a liberdade de imprensa. Isso eu chamaria de libertinagem de imprensa.”
Dalmo de Abreu Dallari é um dos mais renomados e respeitados juristas brasileiros. Professor emérito da Faculdade de Direito da USP, ele está perplexo com o comportamento da mídia assim como dos juízes do STF no julgamento da Ação Penal 470.
Viomundo – Em artigo no Observatório da Imprensa que nós reproduzimos, o senhor aborda impropriedades cometidas pela mídia na cobertura de assuntos jurídicos. Também diz: no chamado mensalão, “a imprensa que, vem exigindo a condenação, não o julgamento imparcial e bem fundamentado do processo, aplaudiu a extensão inconstitucional das competências do Supremo Tribunal e fez referências muito agressivas ao ministro Lewandowski – que, na realidade, era, no caso, o verdadeiro guardião da Constituição”. Isso é culpa só da imprensa?
Dalmo Dallari — Nos últimos anos, se passou a dar muita publicidade ao Judiciário. A sua cobertura, porém, está sendo feita sem o preparo mínimo, como se fosse um comício.
Acontece que o Judiciário, além de aspectos técnicos muito peculiares, tem posição constitucional e responsabilidade diferenciadas. Em última instância, decide sobre direitos fundamentais da pessoa humana. Então, é necessário tomar muito cuidado no tratamento das suas atividades. Exige de quem vai produzir a matéria um preparo técnico mínimo. Exige também o cuidado de não transformar em teatro aquilo que é decisão sobre direitos fundamentais da pessoa humana.
Eu acho que, no caso do chamado mensalão, está se dando tratamento absolutamente inadequado. Eu não sei se devido à pressão muito forte da imprensa ou por qualquer outro fator, o fato é que o próprio Supremo Tribunal tem cometido equívocos, agido de maneira inadequada de forma a comprometer a sua própria autoridade.
Viomundo – Mas o próprio Supremo está se deixando pautar pela mídia, concorda?
Dalmo Dallari – Sem dúvida alguma. Eu entendo que de parte a parte está havendo erro. Os dois [STF e mídia] deveriam tomar consciência de suas responsabilidades, da natureza dos atos que estão sendo noticiados, comentados, para que não se dê este ar de teatro que estamos assistindo.
Às vezes uma divergência entre ministro parece clássico de futebol, um Fla-Flu, um Palmeiras-Corinthians. Entretanto, quem acompanha a área jurídica, sabe que é normal divergência entre os julgadores.
É por isso que a própria Constituição brasileira – e não só brasileira, isso é universal –, as constituições preveem tribunais coletivos, porque se pressupõe que é preciso um encontro de opiniões para que, com equilíbrio, independência, colocando os interesses da Justiça acima de tudo, se chegue a uma conclusão majoritária.
Nem é necessário que as conclusões sejam todas unânimes. Existe, sim, a previsão da conclusão majoritária, o que implica o reconhecimento de que haverá divergências.
Viomundo – A mídia às vezes antecipa como o ministro vai votar no dia seguinte. O que representa isso para um processo?
Dalmo Dallari — Isso é muito sério. Leva à conclusão de que houve uma interferência na formação da opinião do ministro. Ele não agiu com absoluta independência, com a discrição, a reserva que se pressupõe de um ministro de um tribunal superior.
Na semana passada, o jornal O Estado de S. Paulo noticiou com todas as letras o que o ministro Joaquim Barbosa iria dizer no seu voto naquele dia (leia AQUI e AQUI).
Como é que esse jornalista sabia antes o que o ministro iria dizer? Esse jornalista participou da elaboração do voto, da intimidade do ministro, quem sabe até inferiu nele? Será que sugeriu use esta palavra e não aquela? Ou, pior, sugeriu algum encaminhamento?
Como o ministro Joaquim Barbosa disse exatamente o que o jornal havia antecipado (leia AQUI e AQUI), ficou comprovado que ele permitiu a presença do jornalista no momento em que ele estava elaborando o seu voto.
Isso é absolutamente inadmissível, compromete a boa imagem do Judiciário, a imagem de independência e imparcialidade. Portanto, houve, sim, um erro do órgão de imprensa, mas houve, sem dúvida, um erro grave do ministro que se submeteu a esse tipo de participação.
Viomundo – O ministro Joaquim Barbosa pode apenas ter entregue ou comentado o seu voto ao jornalista antes…
Dalmo Dallari – Mas foi antes da sessão. Isso está errado! O ministro vai enunciar o seu voto em público numa sessão do tribunal. Ele não deve – jamais! — entregar o seu voto a alguém, seja quem for, antes da sessão. Até porque durante a sessão ele vai ouvir colegas, vão surgir situações novas, pode ser que ele aperfeiçoe o seu voto, introduza alguma coisa. Efetivamente, o voto só deve ser enunciado na hora do julgamento. Por isso, reitero: foi um erro grave do ministro Joaquim Barbosa.
Viomundo — Professor, que outros equívocos nesse julgamento comprometem o processo?
Dalmo Dallari – Pessoas que não têm “foro privilegiado” – a maioria, diga-se de passagem — estão sendo julgadas originariamente pelo Supremo Tribunal. Esse é um erro fundamental e mais do que óbvio. É uma afronta à Constituição, pois essas pessoas não têm “foro privilegiado” e devem ser julgadas inicialmente por juízes de instâncias inferiores. A Constituição estabelece expressamente quais são os ocupantes de cargos que serão julgados originariamente pelo Supremo Tribunal.
Viomundo – Em que casos o acusado deve julgado originariamente pelo Supremo Tribunal Federal e não por alguma instância inferior?
Dalmo Dallari – Estão nomeados no artigo 102 da Constituição. No inciso I, dispõe-se, na letra “b”, que o Supremo Tribunal tem competência para processar e julgar, originariamente, nas infrações penais comuns, “o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros [do STF] e o Procurador Geral da República”. Em seguida, na letra “c”, foi estabelecida a competência originária para processar e julgar “nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente”.
Portanto, o Supremo está julgando originariamente pessoas que não se enquadram nessas hipóteses. Isso é grave, porque essas pessoas não têm aquilo que se chama “foro privilegiado”. A expressão “privilegiado” é discutível, porque, na verdade, é um privilégio que tem restrições.
A decisão nos casos de “foro privilegiado” começa e termina no Supremo Tribunal. Ao passo que os empresários, o pessoal do Banco Rural, o próprio Marcos Valério, que são pessoas que não ocupavam função pública, deveriam, em primeiro lugar, ser processados e julgados pelo juiz de primeira instância. Se condenados, teriam direito a recurso a um tribunal regional. E, se condenados ainda, teriam recurso a um Tribunal Superior. O Supremo, no entanto, acatou a denúncia e está julgando essas pessoas que não terão direito de recurso.
Viomundo – O que representa essa decisão do STF de julgar todos os acusados?
Dalmo Dallari — O direito de ampla defesa delas foi prejudicado. Isso vai contra a Constituição brasileira, que afirma que elas têm esse direito. Vai também contra compromissos internacionais que o Brasil assumiu de garantir esse amplo direito de defesa.
Depois de terminado o julgamento, isso vai abrir a possibilidade de uma nova etapa. É fácil prever. Os advogados dos condenados sem “foro privilegiado” têm dois caminhos a seguir. Um, será uma denúncia a uma Corte internacional, no caso a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). O outro: eles poderão entrar também com uma ação declaratória perante o próprio Supremo Tribunal para que declare nulas as decisões, porque os réus não tinham “foro privilegiado”. E, aí, vai criar uma situação extremamente difícil para o Supremo Tribunal, que terá de julgar os seus próprios atos.
Viomundo – Na fase inicial do julgamento, o ministro Lewandowski levantou a questão do “foro privilegiado”…
Dalmo Dallari – De fato, essa questão foi suscitada, com muita precisão e de forma absolutamente correta, pelo ministro Ricardo Lewandowski. Ele fez uma advertência que tinha pleno cabimento do ponto de vista jurídico.
Entretanto, por motivos que não ficaram claros, a maioria dos ministros foi favorável à continuação do julgamento de todos os acusados pelo Supremo Tribunal. E prevaleceu a posição do ministro-relator Joaquim Barbosa que dizia que o tribunal deveria fazer o julgamento de todos sem levar em conta que muitos não têm “foro privilegiado”. O ministro Marco Aurélio Mello foi o único que acompanhou o voto do revisor.
Viomundo – No seu entender, o que levou o Supremo a agir assim?
Dalmo Dallari — Eu acho que, em grande parte, a pressão da dita opinião pública feita através da imprensa. Eu acho que isso pesou muito. E, a par disso, pode ter havido também um peso das próprias convicções políticas dos ministros, porque eles claramente estão julgando contra o Direito. Eles não estão julgando juridicamente, mas politicamente.
Eu me lembro que, no começo, antes mesmo do julgamento, alguns órgãos da imprensa já diziam seria o “julgamento do século”. Não havia nenhum motivo para dizerem isso. Os julgamentos de casos de corrupção já ocorreram muitas e muitas vezes e não mudaram o comportamento da sociedade brasileira nem criaram jurisprudência nova.
O julgamento do chamado mensalão também não vai criar jurisprudência nova. Não há nenhum caso novo que houvesse uma divergência jurisprudencial e que somente agora vai ser unificado. Não existe essa hipótese. Então, é um julgamento como outros que já ocorreram, com a diferença que há muitos réus e vários deles ocuparam posições políticas importantes. Mas, do ponto de vista jurídico, nada justifica dizer que é um julgamento excepcional, menos ainda o julgamento do século.
Viomundo – O senhor apontaria algum outro equívoco?
Dalmo Dallari – Acho que os básicos são estes. Primeiramente, o STF assumir uma competência que a Constituição não lhe dá. Depois, essa excessiva proximidade dos ministros com a imprensa, antecipando decisões que serão tomadas numa sessão posterior. Acho que é um comportamento muito ao contrário do que se espera, se pode e se deve exigir da mais alta Corte do país. Isso também está errado do ponto de vista jurídico.
Viomundo – O ministro Lewandowski tem sido até insultado pela grande mídia por causa do julgamento do mensalão. O que acha disso?
Dalmo Dallari – A mesma imprensa que faz referências agressivas ao ministro Lewandowski é a que vem exigindo a condenação e não um julgamento imparcial e bem fundamentado de todos os casos. É a mesma imprensa que aplaudiu o STF, quando ele, no início do julgamento do chamado mensalão, passou por cima das nossas leis, extrapolando a sua competência. Nesse caso, o ministro Lewandowski tem sido o verdadeiro guardião da Constituição brasileira.
Viomundo – Em 2002, o senhor publicou um texto dizendo que a indicação de Gilmar Mendes para o STF representava a degradação do Judiciário. Em 2010, quando ministro defendeu a necessidade de dois documentos para o cidadão votar, o senhor, em entrevista, ao Viomundo, disse que a “Decisão de Gilmar Mendes prova que ele não tinha condições de ser ministro do STF.” Considerando que sobre o ministro Gilmar Mendes pesam várias acusações, não seria um contrassenso ele julgar a Ação Penal 470?
Dalmo Dallari – Claro que é uma contradição. Ele não tem condições morais para fazer esse julgamento.
Gilmar Mendes foi acusado de corrupção quando era Advogado Geral da União. Ele é dono de um cursinho em Brasília e, com dinheiro público, matriculou os seus auxiliares da Advocacia Geral da União no seu próprio cursinho. Ele estava nos dois lados do balcão: contratante e contratado.
A par disso, na questão indígena e em várias outras, ele revelou sempre uma parcialidade mais do que óbvia. Ele não é um ministro imparcial, equilibrado, que se orienta pela Justiça e pelo Direito. Ele é um homem arbitrário, que não tem respeito pelo Direito nem pela Constituição. Nem pela ética.
Viomundo – Teria mais algum alerta a fazer?
Dalmo Dallari — Eu gostaria que a própria imprensa advertisse os juízes dos tribunais quanto ao risco do excesso de exposição. Muitas vezes a imprensa, querendo o sensacionalismo e se antecipar aos outros órgãos de comunicação, busca penetrar na intimidade do juiz. Isso é contrário ao interesse público. Não tem nada a ver com a liberdade de imprensa. Isso eu chamaria de libertinagem de imprensa.
Fonte: Viomundo
terça-feira, 25 de setembro de 2012
Mensalão: julgamento do STF pode não valer
(Artigo publicado originalmente no Diário de São Paulo)
Muitos brasileiros estão acompanhando e aguardando o final do julgamento do mensalão. Alguns com grande expectativa enquanto outros, como é o caso dos réus e advogados, com enorme ansiedade. Apesar da relevância ética, moral, cultural e política, essa decisão do STF – sem precedentes – vai ser revisada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, com eventual chance de prescrição de todos os crimes, em razão de, pelo menos, dois vícios procedimentais seríssimos que a poderão invalidar fulminantemente.
O julgamento do STF, ao ratificar com veemência vários valores republicanos de primeira linhagem – independência judicial, reprovação da corrupção, moralidade pública, desonestidade dos partidos políticos, retidão ética dos agentes públicos, financiamento ilícito de campanhas eleitorais etc. -, já conta com valor histórico suficiente para se dizer insuperável. Do ponto de vista procedimental e do respeito às regras do Estado de Direito, no entanto, o provincianismo e o autoritarismo do direito latino-americano, incluindo, especialmente, o do Brasil, apresentam-se como deploráveis.
No caso Las Palmeras a Corte Interamericana mandou processar novamente um determinado réu (na Colômbia) porque o juiz do processo era o mesmo que o tinha investigado anteriormente. Uma mesma pessoa não pode ocupar esses dois polos, ou seja, não pode ser investigador e julgador no mesmo processo. O Regimento Interno do STF, no entanto (art. 230), distanciando-se do padrão civilizatório já conquistado pela jurisprudência internacional, determina exatamente isso. Joaquim Barbosa, no caso mensalão, presidiu a fase investigativa e, agora, embora psicologicamente comprometido com aquela etapa, está participando do julgamento. Aqui reside o primeiro vício procedimental que poderá dar ensejo a um novo julgamento a ser determinado pela Corte Interamericana.
Há, entretanto, um outro sério vício procedimental: é o que diz respeito ao chamado duplo grau de jurisdição, ou seja, todo réu condenado no âmbito criminal tem direito, por força da Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 8, 2, h), de ser julgado em relação aos fatos e às provas duas vezes. O entendimento era de que, quem é julgado diretamente pela máxima Corte do País, em razão do foro privilegiado, não teria esse direito. O ex-ministro Márcio Thomaz Bastos levantou a controvérsia e pediu o desmembramento do processo logo no princípio da primeira sessão, tendo o STF refutado seu pedido por 9 votos a 2.
O Min. Celso de Mello, honrando-nos com a citação de um trecho do nosso livro, atualizado em meados de 2009, sublinhou que a jurisprudência da Corte Interamericana excepciona o direito ao duplo grau no caso de competência originária da corte máxima. Com base nesse entendimento, eu mesmo cheguei a afirmar que a chance de sucesso da defesa, neste ponto, junto ao sistema interamericano, era praticamente nula.
Hoje, depois da leitura de um artigo (de Ramon dos Santos) e de estudar atentamente o caso Barreto Leiva contra Venezuela, julgado bem no final de 2009 e publicado em 2010, minha convicção é totalmente oposta. Estou seguro de que o julgamento do mensalão, caso não seja anulado em razão do primeiro vício acima apontado (violação da garantia da imparcialidade), vai ser revisado para se conferir o duplo grau de jurisdição para todos os réus, incluindo-se os que gozam de foro especial por prerrogativa de função.
No Tribunal Europeu de Direitos Humanos é tranquilo o entendimento de que o julgamento pela Corte Máxima do país não conta com duplo grau de jurisdição. Mas ocorre que o Brasil, desde 1998, está sujeito à jurisprudência da Corte Interamericana, que sedimentou posicionamento contrário (no final de 2009). Não se fez, ademais, nenhuma reserva em relação a esse ponto. Logo, nosso País tem o dever de cumprir o que está estatuído no art. 8, 2, h, da Convenção Americana (Pacta sunt servanda).
A Corte Interamericana (no caso Barreto Leiva) declarou que a Venezuela violou o seu direito reconhecido no citado dispositivo internacional, “posto que a condenação proveio de um tribunal que conheceu o caso em única instância e o sentenciado não dispôs, em consequência [da conexão], da possibilidade de impugnar a sentença condenatória.” A coincidência desse caso com a situação de 35 réus do mensalão é total, visto que todos eles perderam o duplo grau de jurisdição em razão da conexão.
Mas melhor que interpretar é reproduzir o que disse a Corte: “Cabe observar, por outro lado, que o senhor Barreto Leiva poderia ter impugnado a sentença condenatória emitida pelo julgador que tinha conhecido de sua causa se não houvesse operado a conexão que levou a acusação de várias pessoas no mesmo tribunal. Neste caso a aplicação da regra de conexão traz consigo a inadmissível consequência de privar o sentenciado do recurso a que alude o artigo 8.2.h da Convenção.”
A decisão da Corte foi mais longe: inclusive os réus com foro especial contam com o direito ao duplo grau; por isso é que mandou a Venezuela adequar seu direito interno à jurisprudência internacional: “Sem prejuízo do anterior e tendo em conta as violações declaradas na presente sentença, o Tribunal entende oportuno ordenar ao Estado que, dentro de um prazo razoável, proceda a adequação de seu ordenamento jurídico interno, de tal forma que garanta o direito a recorrer das sentenças condenatórias, conforme artigo 8.2.h da Convenção, a toda pessoa julgada por um ilícito penal, inclusive aquelas que gozem de foro especial.”
Há um outro argumento forte favorável à tese do duplo grau de jurisdição: o caso mensalão conta, no total, com 118 réus, sendo que 35 estão sendo julgados pelo STF e outros 80 respondem a processos em várias comarcas e juízos do país (O Globo de 15.09.12). Todos esses 80 réus contarão com o direito ao duplo grau de jurisdição, que foi negado pelo STF para outros réus. Situações idênticas tratadas de forma absolutamente desigual.
Indaga-se: o que a Corte garante aos réus condenados sem o devido respeito ao direito ao duplo grau de jurisdição, tal como no caso mensalão? A possibilidade de serem julgados novamente, em respeito à regra contida na Convenção Americana, fazendo-se as devidas adequações e acomodações no direito interno. Com isso se desfaz a coisa julgada e pode eventualmente ocorrer a prescrição.
Diante dos precedentes que acabam de ser citados parece muito evidente que os advogados poderão tentar, junto à Comissão Interamericana, a obtenção de uma inusitada medida cautelar para suspensão da execução imediata das penas privativas de liberdade, até que seja respeitado o direito ao duplo grau. Se isso inovadoramente viesse a ocorrer – não temos notícia de nenhum precedente nesse sentido -, eles aguardariam o duplo grau em liberdade. Conclusão: por vícios procedimentais decorrentes da baixíssima adequação da eventualmente autoritária jurisprudência brasileira à jurisprudência internacional, a mais histórica de todas as decisões criminais do STF pode ter seu brilho ético, moral, político e cultural nebulosamente ofuscado.
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