“A justiça sustenta numa das mãos a balança que pesa o direito, e na outra, a espada de que se serve para o defender. A espada sem a balança é a força brutal; a balança sem a espada é a impotência do direito” - Rudolf Von Ihering



quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Aos @migos (as) visitantes do blog


Aos @migos (as);

Poderia ter sido melhor, embora o ano de 2011, com seus percalços e outras dificuldades peculiares do dia a dia tenha rondado e tentado estabelecer morada em minha vida, ainda assim foi um ano muito gratificante. Avanço significativo no curso, falta só mais um ano para o término.

Há um motivo, em especial, em 2011, que também é digno e, assim, merece destaque: o fato de o blog ter alcançado seu ápice de frequência, chegando a quase mil visitas em um só dia. Em seus poucos anos de existência, é um marco histórico. Considerando o fato de que nem sempre é possível atualizá-lo.

Enfim, por derradeiro, como última postagem do ano e de antemão desejando-vos um excelente 2012, despeço-me com as seguintes palavras:

“A cada dia de nossa vida, aprendemos com nossos erros ou nossas vitórias, o importante é saber que todos os dias vivemos algo novo. Que o novo ano que se inicia, possamos viver intensamente cada momento com muita paz e esperança, pois a vida é uma dádiva e cada instante é uma benção de Deus.”


segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

...o nascimento do João ninguém...





“Vistos, relatados, etc…

Cuida-se de pleito formulado em favor de João Getúlio, cuja origem incerta encontra-se narrada da inicial pela pena ilustre do padre Geraldo Francisco Leocádio, inicial ratificada, posteriormente, pelo causídico Vicente César Santana.

Ao que consta, segundo informações de José Alves Ladeira e sua mulher, Conceição Ladeira, ambos acima dos setenta anos de idade, seria o requerente filho de Antônio Getúlio e de Maria das Neves, ambos falecidos na zona rural de Ervália. Os pais residiam na propriedade de Godofredo Alves Ladeira que, piedoso, acolheu o órfão, então com oito anos de idade. O menino sempre ficou aos cuidados da família Ladeira, tendo ido morar com D. Chiquinha, irmã de Godofredo; depois, foi acolhido por José Alves Ladeira que, casado com Conceição Ladeira, o levou para Palmital, zona rural de Coimbra.

O rebento, todavia, revelava amentalidade desde os verdes anos; ora agressivo, ora passivo. Nas crises de ausência, desaparecia da casa de seus benfeitores, para retornar dias ou meses depois. João de Lima, produtor rural de Ervália, conta que também acolheu João Getúlio, narrando ter ele, em certa ocasião, sido acometido de mal súbito; dado como morto, foi entregue a velório e, no meio das exéquias, despertou e assustou a todos os presentes.

Foi acolhido, finalmente, pela paróquia de Fátima, em Viçosa, onde faz uso das instalações e se alimenta, eventualmente. Nas ruas, dado seu estado andrajoso, recebe algumas moedas e corre a depositá-las aos pés da santa, no adro da igreja.

A pretensão, portanto, é no sentido de se conceder o registro civil, garantindo-se-lhe assistência judiciária.

Ratificada a inicial, foram ouvidas três testemunhas e colhido o depoimento do padre Geraldo Francisco Leocádio.
Parecer ministerial pela improcedência.

É o relatório.

Decido.

A inópia do processo é flagrante e o fato foi lembrado pelo cioso promotor público. Nada se sabe sobre esse tal de João Getúlio. Não se sabe, também, como e quem o teria partejado.

O processo é pobre como João, mas o último é pior, porque nem mesmo direito ao processo teria, porque João, em verdade, não existe.

João não existe oficialmente, mas é. Lá está ele ao derredor do adro da Igreja de Fátima; lá vai ele, andar trôpego, em andrajos, na esquina da rua a despertar a caridade dos passantes que lhe deitam moedas; recebendo-as, voa para depositá-las aos pés da imagem da Virgem, onde ali, realidade ou onirismo, recebe o afago da mãe, abebera-se da luz da esperança e banqueteia-se no seu conforto.

João não existe para o Estado, e o Estado faz questão de não querê-lo.

João é nada e não será nada, mesmo venha a viver milhões de noites. Continuará ignorado porque seu fado, essa a sina imposta pelos Homens.

João é ninguém.

Sua inexistência consolida-se porque, em verdade, ele não está nesse mundo. Seu espectro, conquanto visto aqui e acolá, apenas encorpa sua natureza irreal. Se ele vive, não está aqui, porque no arremedo de cérebro não parece haver fixação telúrica. Se ele existe, está nos próprios sonhos e nos nossos, conquanto a maioria o enxergue, mas teime em não vê-lo. João é uma peça de ficção, mas ele não se dá conta, não percebe.

Ele está muito acima,num alcantil inacessível, passageiro em oceano imaginário, desde os verdes anos, da Stultifera Navis, aquela mesma embarcação que singrou os rios europeus no século XV, túrgida de loucos. Mas João, apesar de membro da Nau dos Insanos, ao contrário do imaginado, ufana-se dela. Nele há paz.

O Estado, de qualquer modo, feliz ou desinfeliz o João, prefere continuar a ignorá-lo.

O Estado sabe como fazer isso. O Estado cria leis e elas também se prestam ao olvido de coisas e pessoas sem importância. Por isso o Estado exige papéis, documentos. Esses têm maior eloqüência e são mais verazes que o testemunho somático.
João teima em parecer existir, mas sua carne, insistentemente perturbadora, não está documentada. Ele parece gente, mas não é. Lá vai a matéria, matéria animada, mas ela não existe, não está registrada, não é oficial.

Aquele velho adágio, para o Estado (“Penso, logo existo”), sempre teve feitio diverso. A verdade é: “Sou um documento, logo existo”.

João não se explica. De onde veio, quem é sua mãe, quem é seu pai? Qual sua história, qual é a sua João? João não pode responder e João não ajuda, porque não vive, simplesmente passa, como passará um dia, em definitivo, tranqüilizando o Estado e a todos que se perturbam com sua (não) presença.

Mas se passar, que passe em definitivo, bem enterrado, para não se fazer redivivo no velório, como já ocorreu uma vez, quando assustou todo mundo.

Onde já se viu? Não existe, mas morre, e morto arremeda, em visos, a Lázaro?

Voltando ao processo, o promotor público está certo. Apresentou a lei e sua interpretação dada pelos tribunais. Cumpriu seu papel, com exação, com talento, como sempre faz. Declarar existente o João sem prova documental é temerário, porque inexiste prova. A decisão será facilmente cassada, porque o Estado só entende a linguagem dos documentos.

Mas o Estado tem opositores. Há sempre alguém “pondo gosto ruim”, se rebelando, difundindo cizânias.
A despeito de João não existir, populares, como José Raimundo da Silva (Avenida Tal, 242, Bairro Tal, Viçosa), e sua mulher, Maria das Neves, bem assim José Alves Ladeira (Rua Qual, 375), e sua esposa, Conceição Ladeira, todos com existência oficial, teimam em afirmar ser o indigitado, o João, presente, existente.

Seria filho de Maria das Neves e de Antônio Getúlio, nascido,“esse não existir”, em Ervália.

José Raimundo da Silva, João Henrique de Freitas e o padre Geraldo Francisco Leocádio, pároco de Fátima (fls.13/15), sustentam ser a idade, estimada, entre 65 e 70 anos, mas tudo é possível: pode ter menos ou mais.

Não há de carecer a informação sobre dia e ano do natal quimérico. Se até agora não existiu, há de bastar-lhe apenas uma idade, mesmo incerta, “para finalmente se identificar”. Fica-se com aquela menor, de 65 anos, para consolo estatal, porque preocupa-se apenas com o furo nas burras do instituto de previdência, embora adrede esqueça-se da própria omissão, do abandono dos seus filhos, oficiais ou não.

Não há de calar no intimorato juízo do promotor público a preocupação com a ascendência dada a João. Se ela existiu, ou se existe, não há de ter deixado capaz de causar espanto, a não ser a pobreza, que deveria escandalizar mais que a opulência.

Depois, ainda que a sorte ou infortúnio ditem uma coincidência tamanha, a da existência de legados, meios jurídicos o Estado terá, bem assim seus filhos reconhecidos, para o afastamento de João, aí já existindo, documentado, mas sempre, como hoje, importuno.

Posto isto, julgo procedente o pedido para determinar ao senhor oficial de registro de pessoas naturais de Viçosa, representante do Estado, seja oficialmente reconhecida a existência do peregrino JOÃO GETÚLIO, vulgo “JOÃO NINGUÉM”, filho de Antônio Getúlio e de Maria das Neves, nascido do Município de Ervália, há sessenta e cinco anos.

Custas pelo Estado.

Incontinenti, ao mandado.

Publique-se, Registre-se e Intime-se

Viçosa, 27 de setembro de 2004.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Manoel Sabino Pontes - Como conheci o Irmão Márcio

Havia dito que ficaria alguns dias sem postar nada no blog em razão de estar desfrutando das minhas férias (somente da universidade!). 
Porém, confesso, inexoravelmente, que quedei diante do maravilhoso texto e sensibilidade do Defensor Público Potiguar Manoel Pontes Sabino
Após a leitura feita ontem,de imediato, por assim dizer, passei a fazer parte integrante da torcida para que o irmão Márcio seja posto em liberdade o mais rápido possível. Vale a leitura e o acompanhamento do caso.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Comunicado - Desigualdades Socioespaciais, Segurança Pública e Violência no Brasil


Comunicado: este blog entra em recesso a partir de hoje. Objetivando, com isso, primeiramente, um merecido descanso. Assim, aproveitando o ensejo, farei novas reflexões sobre os vários assuntos que me incomodam e que têm sido motivo de minha constante inquietação. Posto, acima, essa foto como aperitivo e instigação para que os colegas possam refletir. Contudo, assumo o compromisso de nos vermos novamente em qualquer dia de janeiro próximo. Passar bem!   

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Dois anos de prisão por causa de R$ 0,15


O STJ recordou - em seu saite, no fim-de-semana - alguns casos curiosos que ocuparam a corte nos últimos anos. Num deles, o pedido de habeas corpus contra a condenação a dois anos de prisão imposta a ajudante de pedreiro pelo furto de uma fotocópia de cédula de identidade, uma moeda de R$ 0,10 e outra de R$ 0,05.

A vítima tinha acabado de ser agredida por outros quando foi abordada pelo réu e um menor que o acompanhava. Para o juiz, a sociedade clamava por “tolerância zero” e a jurisprudência rejeitava o conceito de crime de bagatela. O fato de terem os autores se aproveitado da vítima ferida, sem condições de resistir, indicaria alto grau de culpabilidade, por demonstrar “o mais baixo grau de sensibilidade e humanidade”.

O TJ de São Paulo manteve a pena e classificou o princípio da insignificância como “divertimento teorético, supostamente magnânimo e moderno”.

Segundo o acórdão do tribunal estadual, “para certos esnobes, tudo o que não coincide com suas fantasias laxistas pertence à Idade da Pedra; eles, e mais ninguém, representam a modernidade, a amplitude de visão, a largueza de espírito, a nobreza de coração; eles definitivamente têm uma autoestima hipertrofiada”.

O palavrório não ficou por aí. “Acha-se implantada uma nova ordem de valores, a moderna axiologia: comerás com moderação! Beberás com moderação e furtarás com moderação!”, continuou o desembargador paulista.

“Curioso e repugnante paradoxo: essa turma da bagatela, da insignificância, essa malta do Direito Penal sem metafísica e sem ética, preocupa-se em afetar deplorativa solidariedade aos miseráveis; no entanto, proclama ser insignificante e penalmente irrelevante o furto de que os miseráveis são vítimas”, afirmou.

O acórdão do STJ registrou estranheza com “a forma afrontosa dos fundamentos” do TJ-SP.

“O respeito à divergência ideológica é o mínimo que se pode exigir dos operadores do Direito, pois, constituindo espécie das chamadas ciências sociais aplicadas – o que traduz sua natureza dialética –, emerge sua cientificidade, de que é corolário seu inquebrantável desenvolvimento e modernização, pena de ainda vigorar o Código de Hamurabi”, afirmou o julgado do tribunal superior . A Turma concedeu o habeas corpus por unanimidade. (HC nº 23.904).

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Da série crônicas de um estagiário: eu, o estágio e o discípulo de Fidel


As fases de minha vida estão se modificando a passos largos o suficiente para dizer que coisas magníficas acontecem com frequência em meus dias o que, por sinal, não posso reclamar. Se algo ainda maior não está acontecendo é porque está faltando dedicação minha. Fatos lamentáveis também fazem parte do pacote “vida” e seus riscos.

Iniciei, há anos, um estágio em determina autarquia municipal objetivando adquirir bagagem no âmbito jurídico. Se eu disser que foi proveitoso estaria diante da mais pura e vexatória mentira. Aliás, proveitoso foi. Considerando o fato de haver conhecido pessoas magníficas, que a partir de então passaram a fazer parte de minha história.

Entretanto, o traumático estágio começou rumar por caminhos tortuosos. Explico: em razão do volume de serviço não ser lá aquelas coisas, o advogado com maior tempo de serviço acabava por não deixar ou permitir que o estagiário (lembre-se, eu!) fizesse alguma coisa.

Na verdade, eram dois advogados no departamento jurídico. O dr. fulano de tal e a encantadora dra. x. O primeiro, com tempo significativo de serviços prestados à autarquia, possuidor de uma cultura jurídica invejável, com seus muitos anos de vida, era algo assim como um Fidel Castro.

Confiava primeiramente nele, depois nele e, lá pela terceira e/ou quarta posição, confiava nele novamente. A encantadora doutora mencionada acima, por sua vez, trabalhava tão somente no crivo do discípulo de Fidel e, consequentemente, o estagiário, não fazia nada mais que ir dar carga nos processos. É mole!

O Fidelzinho é uma pessoa com idade aproximada entre sessenta e sessenta e cinco anos. Acima disse ser ele possuidor de vasta bagagem no âmbito jurídico. Porém o que sobra no conhecimento jurídico falta no quesito humanidade e companheirismo.

Continua...

sábado, 3 de dezembro de 2011

...eis que as férias escolares chegaram para mim...


Primeiro final de semana, nos últimos dias, sem que tenha que me preocupar com as provas na Universidade. Portanto posso dizer que, sem medo de errar, que as férias já bateram em minha porta. Considerando, também, o fato de já haver tomado conhecimento de algumas notas, de matérias que não são as que mais me agradam e ter ficado dentro da média.

Na média, para mim, nessas matérias, é o que basta! As demais, acredito não ser surpreendido porque são matérias que me encantam e fascinam. O importante, agora, é não desfocar e empreender tremando esforço, nessas férias, para continuar minha caminhada rumo à incansável busca do conhecimento jurídico.

Serão aí alguns poucos dias de férias onde estarei procurando fazer uma leitura que há tempos está em meus planos. O livro, felizmente, encontra-se já em minhas mãos aguardando somente o sinal de largada. Assim, sem perder mais tempo, permita-me começar.   

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Dalmo Dallari e a corrupção


Entrevistado pela BBC Brasil, o jurista e professor emérito da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) Dalmo Dallari.

BBC Brasil: Assim como o governo fala em ter como objetivo erradicar a pobreza extrema, o senhor acha possível que o Brasil possa erradicar a corrupção, ou pelo menos transformar este fenômeno em algo insignificante?

Dalmo Dallari: Acho que a corrupção é um fenômeno universal. Eu não acho crível a eliminação total, seria fantasioso. A experiência da humanidade mostra isso.
Houve momentos em que se disse que a corrupção no setor público era característica do capitalismo. Depois, se verificou que o desmoronamento da URSS se deveu em grande parte ao altíssimo nível de corrupção.
Há também um erro ao fazer a comparação entre países mais adiantados e mais atrasados, ou entre tipos de cultura.
É necessário, sim, que haja um combate, que haja denúncias e que se procure reduzir ao mínimo, mas a possibilidade da eliminação total é fantasiosa.

BBC Brasil: Qual seria a maneira mais eficaz de se combater a corrupção?

Dallari: Eu começaria pela conscientização das pessoas. As pessoas precisam estar conscientes de que o patrimônio público é de todos, de que os interesses comuns devem prevalecer.
A corrupção em grande parte é reflexo de atitudes egoístas, de pessoas que vão buscar o seu interesse, a sua conveniência, ignorando o interesse comum, a responsabilidade comum. É uma questão de preparação para a cidadania. É preciso que desde a escola básica se comece a trabalhar a formação da consciência de cidadania.
A busca da cidadania é mais eficaz porque infunde uma consciência de responsabilidade e da ética nas relações humanas e, mais importante, nas relações públicas. Temos que falar nos direitos da cidadania, mas também nas responsabilidades da cidadania.
Claro que também é necessário pensar em métodos de controle, de denúncia e, mais do que isso, na punição efetiva dos corruptos.
Importante também é pensar que a corrupção implica em corruptor e corrompido, embora a grande imprensa só mencione o corrompido, mantendo silêncio ou quase nada falando daqueles, inclusive grandes empresários, que são agentes da corrupção. No momento de punir, é preciso punir todos aqueles que de alguma forma participam do processo.

BBC Brasil: O Brasil é hoje um país mais corrupto do que já foi antes?

Dallari: Eu não acredito nisso. Eu estive no combate à ditadura de 1964, e 
posso dizer que muitas das resistências à Comissão da Verdade e à revelação dos fatos daquela época se deve a isso - não só a denúncia e conhecimento de violências, mas ao fato de que havia muita corrupção, com a utilização do sistema ditatorial para se praticar a corrupção.
Mas isso tivemos também anteriormente, como na ditadura (do ex-presidente Getúlio) Vargas ou depois de 1946, com a redemocratização. Ou seja, não é um fenômeno de forma alguma novo. Muitos desses sistemas são antigos, e agora apenas mudaram as pessoas que participam dele, mas não foram sistemas criados agora.
Não tenho nenhuma vinculação partidária, nunca fui vinculado ao PT, mas acho que, em grande parte , as denúncias, o escândalo que se faz em torno disso tem motivação política. É uma forma de dar uma forma negativa ao atual sistema que governa o país.

BBC Brasil: É possível dizer que o Brasil é mais corrupto que outros países?

Dallari: Acho que não. Isto não é privilégio do Brasil, nem da América Latina ou dos países africanos, é um fenômeno universal.
Se nós quisermos, vamos facilmente localizar outros países que são mais corruptos que o Brasil. Eu lembraria inclusive países avançados, europeus, como a Itália, que está mergulhada na corrupção há muito tempo e continua assim.
Lembro também que, há não muito tempo, a Grã-Bretanha viveu problemas de corrupção no governo do (ex-primeiro-ministro) Tony Blair.

BBC Brasil: Como o senhor vê a corrupção em sua manifestação mais cotidiana, como, por exemplo, os pequenos subornos, praticados por pessoas comuns?

Dallari: Isso é extremamente importante e é, ao meu ver, o ponto de partida. É da pequena corrupção que decorre a grande corrupção.
Muitos políticos, mandatários notoriamente corruptos, são eleitos e reeleitos com alto índice de votação. Ou seja, o próprio eleitor que fala contra a corrupção, fala contra os corruptos, vota em corruptos sabendo que são corruptos. Isso é falta de consciência política e de consciência de cidadania, e mesmo falta de consciência da responsabilidade ética implicada na vida social.
Esse é o ponto de partida, é o despertar de consciência e de mentalidades que rejeitem a corrupção. Tudo deve começar por aí, mas, claro, tendo sequência no aperfeiçoamento de sistemas de controle e buscando a efetiva punição dos corruptos.

BBC Brasil: Essa "pequena corrupção" tem algo de aceitável?

Dallari: Não creio nisso. É falta de consciência e falta de informação. São necessárias leis que prevejam punição em todos os casos, até para que haja caminhos institucionais para o controle e a punição, para que isso não dependa da vontade de um governante, de um agente, ou do capricho de alguém. É preciso que haja regras claras que tenham legitimidade e se apliquem.

BBC Brasil: A impunidade da corrupção no âmbito político partidário, de alguma maneira, incentiva a corrupção no cotidiano?

Dallari: Há sem dúvida a exploração dessa inconsciência e da relativa facilidade de uso da corrupção. Então, nas práticas político-eleitorais, está a esperança ou a quase certeza de que se poderá usar da corrupção com fins políticos, para captar votos, e isso é um fator de alimentação da corrupção, então é preciso que se preveja essa hipótese, com meios de controle e punição.