Entrevistado
pela BBC Brasil, o jurista e professor emérito da Faculdade de Direito da USP
(Universidade de São Paulo) Dalmo Dallari.
BBC
Brasil: Assim como o governo fala em ter como objetivo
erradicar a pobreza extrema, o senhor acha possível que o Brasil possa
erradicar a corrupção, ou pelo menos transformar este fenômeno em algo
insignificante?
Dalmo
Dallari: Acho que a corrupção é um fenômeno universal. Eu não
acho crível a eliminação total, seria fantasioso. A experiência da humanidade
mostra isso.
Houve momentos em que se
disse que a corrupção no setor público era característica do capitalismo.
Depois, se verificou que o desmoronamento da URSS se deveu em grande parte ao
altíssimo nível de corrupção.
Há também um erro ao fazer
a comparação entre países mais adiantados e mais atrasados, ou entre tipos de
cultura.
É necessário, sim, que
haja um combate, que haja denúncias e que se procure reduzir ao mínimo, mas a
possibilidade da eliminação total é fantasiosa.
BBC
Brasil: Qual seria a maneira mais eficaz de se combater a
corrupção?
Dallari:
Eu começaria pela conscientização das pessoas. As pessoas precisam estar
conscientes de que o patrimônio público é de todos, de que os interesses comuns
devem prevalecer.
A corrupção em grande
parte é reflexo de atitudes egoístas, de pessoas que vão buscar o seu
interesse, a sua conveniência, ignorando o interesse comum, a responsabilidade
comum. É uma questão de preparação para a cidadania. É preciso que desde a
escola básica se comece a trabalhar a formação da consciência de cidadania.
A busca da cidadania é
mais eficaz porque infunde uma consciência de responsabilidade e da ética nas
relações humanas e, mais importante, nas relações públicas. Temos que falar nos
direitos da cidadania, mas também nas responsabilidades da cidadania.
Claro que também é
necessário pensar em métodos de controle, de denúncia e, mais do que isso, na
punição efetiva dos corruptos.
Importante também é pensar
que a corrupção implica em corruptor e corrompido, embora a grande imprensa só
mencione o corrompido, mantendo silêncio ou quase nada falando daqueles,
inclusive grandes empresários, que são agentes da corrupção. No momento de punir,
é preciso punir todos aqueles que de alguma forma participam do processo.
BBC
Brasil: O Brasil é hoje um país mais corrupto do que já foi
antes?
Dallari:
Eu não acredito nisso. Eu estive no combate à ditadura de 1964, e
posso dizer
que muitas das resistências à Comissão da Verdade e à revelação dos fatos
daquela época se deve a isso - não só a denúncia e conhecimento de violências,
mas ao fato de que havia muita corrupção, com a utilização do sistema
ditatorial para se praticar a corrupção.
Mas isso tivemos também
anteriormente, como na ditadura (do ex-presidente Getúlio) Vargas ou depois de
1946, com a redemocratização. Ou seja, não é um fenômeno de forma alguma novo.
Muitos desses sistemas são antigos, e agora apenas mudaram as pessoas que
participam dele, mas não foram sistemas criados agora.
Não tenho nenhuma
vinculação partidária, nunca fui vinculado ao PT, mas acho que, em grande parte
, as denúncias, o escândalo que se faz em torno disso tem motivação política. É
uma forma de dar uma forma negativa ao atual sistema que governa o país.
BBC
Brasil: É possível dizer que o Brasil é mais corrupto que
outros países?
Dallari:
Acho que não. Isto não é privilégio do Brasil, nem da América Latina ou dos
países africanos, é um fenômeno universal.
Se nós quisermos, vamos
facilmente localizar outros países que são mais corruptos que o Brasil. Eu
lembraria inclusive países avançados, europeus, como a Itália, que está
mergulhada na corrupção há muito tempo e continua assim.
Lembro também que, há não
muito tempo, a Grã-Bretanha viveu problemas de corrupção no governo do
(ex-primeiro-ministro) Tony Blair.
BBC
Brasil: Como o senhor vê a corrupção em sua manifestação mais
cotidiana, como, por exemplo, os pequenos subornos, praticados por pessoas
comuns?
Dallari: Isso
é extremamente importante e é, ao meu ver, o ponto de partida. É da pequena
corrupção que decorre a grande corrupção.
Muitos políticos,
mandatários notoriamente corruptos, são eleitos e reeleitos com alto índice de
votação. Ou seja, o próprio eleitor que fala contra a corrupção, fala contra os
corruptos, vota em corruptos sabendo que são corruptos. Isso é falta de
consciência política e de consciência de cidadania, e mesmo falta de
consciência da responsabilidade ética implicada na vida social.
Esse é o ponto de partida,
é o despertar de consciência e de mentalidades que rejeitem a corrupção. Tudo
deve começar por aí, mas, claro, tendo sequência no aperfeiçoamento de sistemas
de controle e buscando a efetiva punição dos corruptos.
BBC
Brasil: Essa "pequena corrupção" tem algo de
aceitável?
Dallari:
Não creio nisso. É falta de consciência e falta de informação. São necessárias
leis que prevejam punição em todos os casos, até para que haja caminhos
institucionais para o controle e a punição, para que isso não dependa da
vontade de um governante, de um agente, ou do capricho de alguém. É preciso que
haja regras claras que tenham legitimidade e se apliquem.
BBC
Brasil: A impunidade da corrupção no âmbito político
partidário, de alguma maneira, incentiva a corrupção no cotidiano?
Dallari:
Há sem dúvida a exploração dessa inconsciência e da relativa facilidade de uso
da corrupção. Então, nas práticas político-eleitorais, está a esperança ou a
quase certeza de que se poderá usar da corrupção com fins políticos, para
captar votos, e isso é um fator de alimentação da corrupção, então é preciso
que se preveja essa hipótese, com meios de controle e punição.
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