“A justiça sustenta numa das mãos a balança que pesa o direito, e na outra, a espada de que se serve para o defender. A espada sem a balança é a força brutal; a balança sem a espada é a impotência do direito” - Rudolf Von Ihering



quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Dalmo Dallari e a corrupção


Entrevistado pela BBC Brasil, o jurista e professor emérito da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) Dalmo Dallari.

BBC Brasil: Assim como o governo fala em ter como objetivo erradicar a pobreza extrema, o senhor acha possível que o Brasil possa erradicar a corrupção, ou pelo menos transformar este fenômeno em algo insignificante?

Dalmo Dallari: Acho que a corrupção é um fenômeno universal. Eu não acho crível a eliminação total, seria fantasioso. A experiência da humanidade mostra isso.
Houve momentos em que se disse que a corrupção no setor público era característica do capitalismo. Depois, se verificou que o desmoronamento da URSS se deveu em grande parte ao altíssimo nível de corrupção.
Há também um erro ao fazer a comparação entre países mais adiantados e mais atrasados, ou entre tipos de cultura.
É necessário, sim, que haja um combate, que haja denúncias e que se procure reduzir ao mínimo, mas a possibilidade da eliminação total é fantasiosa.

BBC Brasil: Qual seria a maneira mais eficaz de se combater a corrupção?

Dallari: Eu começaria pela conscientização das pessoas. As pessoas precisam estar conscientes de que o patrimônio público é de todos, de que os interesses comuns devem prevalecer.
A corrupção em grande parte é reflexo de atitudes egoístas, de pessoas que vão buscar o seu interesse, a sua conveniência, ignorando o interesse comum, a responsabilidade comum. É uma questão de preparação para a cidadania. É preciso que desde a escola básica se comece a trabalhar a formação da consciência de cidadania.
A busca da cidadania é mais eficaz porque infunde uma consciência de responsabilidade e da ética nas relações humanas e, mais importante, nas relações públicas. Temos que falar nos direitos da cidadania, mas também nas responsabilidades da cidadania.
Claro que também é necessário pensar em métodos de controle, de denúncia e, mais do que isso, na punição efetiva dos corruptos.
Importante também é pensar que a corrupção implica em corruptor e corrompido, embora a grande imprensa só mencione o corrompido, mantendo silêncio ou quase nada falando daqueles, inclusive grandes empresários, que são agentes da corrupção. No momento de punir, é preciso punir todos aqueles que de alguma forma participam do processo.

BBC Brasil: O Brasil é hoje um país mais corrupto do que já foi antes?

Dallari: Eu não acredito nisso. Eu estive no combate à ditadura de 1964, e 
posso dizer que muitas das resistências à Comissão da Verdade e à revelação dos fatos daquela época se deve a isso - não só a denúncia e conhecimento de violências, mas ao fato de que havia muita corrupção, com a utilização do sistema ditatorial para se praticar a corrupção.
Mas isso tivemos também anteriormente, como na ditadura (do ex-presidente Getúlio) Vargas ou depois de 1946, com a redemocratização. Ou seja, não é um fenômeno de forma alguma novo. Muitos desses sistemas são antigos, e agora apenas mudaram as pessoas que participam dele, mas não foram sistemas criados agora.
Não tenho nenhuma vinculação partidária, nunca fui vinculado ao PT, mas acho que, em grande parte , as denúncias, o escândalo que se faz em torno disso tem motivação política. É uma forma de dar uma forma negativa ao atual sistema que governa o país.

BBC Brasil: É possível dizer que o Brasil é mais corrupto que outros países?

Dallari: Acho que não. Isto não é privilégio do Brasil, nem da América Latina ou dos países africanos, é um fenômeno universal.
Se nós quisermos, vamos facilmente localizar outros países que são mais corruptos que o Brasil. Eu lembraria inclusive países avançados, europeus, como a Itália, que está mergulhada na corrupção há muito tempo e continua assim.
Lembro também que, há não muito tempo, a Grã-Bretanha viveu problemas de corrupção no governo do (ex-primeiro-ministro) Tony Blair.

BBC Brasil: Como o senhor vê a corrupção em sua manifestação mais cotidiana, como, por exemplo, os pequenos subornos, praticados por pessoas comuns?

Dallari: Isso é extremamente importante e é, ao meu ver, o ponto de partida. É da pequena corrupção que decorre a grande corrupção.
Muitos políticos, mandatários notoriamente corruptos, são eleitos e reeleitos com alto índice de votação. Ou seja, o próprio eleitor que fala contra a corrupção, fala contra os corruptos, vota em corruptos sabendo que são corruptos. Isso é falta de consciência política e de consciência de cidadania, e mesmo falta de consciência da responsabilidade ética implicada na vida social.
Esse é o ponto de partida, é o despertar de consciência e de mentalidades que rejeitem a corrupção. Tudo deve começar por aí, mas, claro, tendo sequência no aperfeiçoamento de sistemas de controle e buscando a efetiva punição dos corruptos.

BBC Brasil: Essa "pequena corrupção" tem algo de aceitável?

Dallari: Não creio nisso. É falta de consciência e falta de informação. São necessárias leis que prevejam punição em todos os casos, até para que haja caminhos institucionais para o controle e a punição, para que isso não dependa da vontade de um governante, de um agente, ou do capricho de alguém. É preciso que haja regras claras que tenham legitimidade e se apliquem.

BBC Brasil: A impunidade da corrupção no âmbito político partidário, de alguma maneira, incentiva a corrupção no cotidiano?

Dallari: Há sem dúvida a exploração dessa inconsciência e da relativa facilidade de uso da corrupção. Então, nas práticas político-eleitorais, está a esperança ou a quase certeza de que se poderá usar da corrupção com fins políticos, para captar votos, e isso é um fator de alimentação da corrupção, então é preciso que se preveja essa hipótese, com meios de controle e punição.

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