Por Afif Jorge Simões Neto,
juiz da 2ª Turma Recursal Cível
juiz da 2ª Turma Recursal Cível
A Juvelina é uma das pessoas mais de bem com a vida que eu conheço. E tinha tudo pra não ser assim tão na boa. Analfabeta, mãe de cinco filhos, onze netos - e outros tantos a caminho desse mundinho hostil - tirou o sustento da ninhada faxinando a casa dos outros. Apesar de todas as dificuldades encontradas, nunca perdeu a esportiva. Ri até hoje da própria penúria, sublime particularidade agregada ao caráter dos que estão num patamar acima.
Reparando melhor, quem mais reclama só conhece por ouvir falar o funéreo chamado da senhora fome. Não tem a menor idéia do estrago que ela faz nos pequenos. Experimenta passar um dia inteiro sem comer! Multiplica isso por dois ou três e terás o retrato de um ser humano rebaixado à condição de coisa, aparentemente móvel.
Mas, retornando à Juvelina, ela conta que seu pai andava na lona, abaixo de morfina para aguentar o tirão de um câncer que se aquerenciou na carcomida carcaça bugra. Já nas últimas, a cabeça girando que nem coruja dengosa, o velho viu se aproximar do leito final o neto mais novo, uma criança mexerica, dentadura que era um brinco, cheio das preocupações materiais:
― Vô, agora que o senhor tá morrendo mesmo, pra quem vai tocá o serrote?
Conforme eu tinha dito no início, a Juvelina criou os filhos com variadas agonias. Faltava tudo em casa, inclusive marido. O café preto não tinha nem lembrança do açúcar. Toda a trouxa dos mijados ela lavava no muque, felpiando uma nesga de sabão. Aproveitava até o suspiro da espuma.
Depois de aposentada, evidente que a situação deu uma boa melhorada. Aí, como forma de se vingar daquele tempo duro, tal qual a pedra do arroio onde batia roupa, chegou a ter em estoque na despensa 62 quilos de açúcar e 18 de sabão. Grande parte do açúcar tinha virado tijolo, pela inércia do manejo.
Perguntei, puxando conversa, qual a razão para tanto exagero na armazenagem. A resposta veio num repente de ponderação, quase em tom confessional:
- Jorginho, fiquei psicopata por açúcar e sabão...
Reparando melhor, quem mais reclama só conhece por ouvir falar o funéreo chamado da senhora fome. Não tem a menor idéia do estrago que ela faz nos pequenos. Experimenta passar um dia inteiro sem comer! Multiplica isso por dois ou três e terás o retrato de um ser humano rebaixado à condição de coisa, aparentemente móvel.
Mas, retornando à Juvelina, ela conta que seu pai andava na lona, abaixo de morfina para aguentar o tirão de um câncer que se aquerenciou na carcomida carcaça bugra. Já nas últimas, a cabeça girando que nem coruja dengosa, o velho viu se aproximar do leito final o neto mais novo, uma criança mexerica, dentadura que era um brinco, cheio das preocupações materiais:
― Vô, agora que o senhor tá morrendo mesmo, pra quem vai tocá o serrote?
Conforme eu tinha dito no início, a Juvelina criou os filhos com variadas agonias. Faltava tudo em casa, inclusive marido. O café preto não tinha nem lembrança do açúcar. Toda a trouxa dos mijados ela lavava no muque, felpiando uma nesga de sabão. Aproveitava até o suspiro da espuma.
Depois de aposentada, evidente que a situação deu uma boa melhorada. Aí, como forma de se vingar daquele tempo duro, tal qual a pedra do arroio onde batia roupa, chegou a ter em estoque na despensa 62 quilos de açúcar e 18 de sabão. Grande parte do açúcar tinha virado tijolo, pela inércia do manejo.
Perguntei, puxando conversa, qual a razão para tanto exagero na armazenagem. A resposta veio num repente de ponderação, quase em tom confessional:
- Jorginho, fiquei psicopata por açúcar e sabão...
FONTE: ESPAÇO VITAL
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