“A justiça sustenta numa das mãos a balança que pesa o direito, e na outra, a espada de que se serve para o defender. A espada sem a balança é a força brutal; a balança sem a espada é a impotência do direito” - Rudolf Von Ihering



segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Lenio Streck - A LINGUAGEM DOS REPÓRTERES DE TV

Volto a um tema que já tratei há algum tempo. Dias destes, vi um programa de esportes na TV. Tratava de um time de futebol do interior. O repórter, como qualquer do seu meio, parece não saber apresentar a notícia sem fazer “metáfora”, alguma “gracinha” ou usar linguagem em duplo sentido. Muito engraçado. Não aguento. Atiro-me ao chão. Farfalho. Eles são pândegos. Galhofeiros (estou sendo sarcástico, é claro). Então o repórter queria dizer que o time X disputaria o campeonato a galope. E o que ele mostrou? O técnico do time em cima... de um cavalo. Ah, ah. E um galope. Uau. Que metáfora... Mas, pergunto: se é metáfora, por que, para mostrá-la, é necessário ser isomórfico, isto é, “colar” palavras e coisas? Explicando melhor: uma metáfora serve para explicar coisas que as pessoas poderiam não entender... Pensem na Bíblia, rica em metáforas. Agora, se para “metaforizar” é preciso “mostrar” a “própria” metáfora, ou seja, “demonstrá-la”, já não se está mais em face de uma metáfora. Imaginem o repórter contando a Bíblia: “então Jesus contou a parábola do filho pródigo...” E a imagem mostra um filho voltando para os braços do pai... Tenho frouxos de riso. Vou estocar imagens de “metáforas”. Tenho certeza de que, no futuro, será artigo raro.


METÁFORAS, METONÍMIAS E ISOMORFIAS: A SÍNDROME HOMER SIMPSON 
Quando quero dizer que “um time joga por música”, não preciso mostrar uma orquestra. Para dizer que “fulano está por cima da carne seca”, não é necessário mostrar um gaúcho sapateando no charque! Por tudo isso, vou estocar carne seca! E vou estocar mais sarcasmo! Incrivelmente, a TV criou um “método” pelo qual o telespectador é tomado por débil mental. Para a TV, as pessoas não pensam. Tem que “pensar por elas”. Daí que a “ideia” deve vir “pronta”. Para falar da enchente, o repórter tem que ficar com água pelo pescoço. O trigo está subindo de preço... Onde está o repórter? No meio de um trigal, é claro! Socorro, faculdades de jornalismo. Quem inventou esse “método”? Ora, o que nos coloca no mundo é a metáfora. Entre o significante e o significado se faz uma barra (que pode ser chamada de metáfora). Lembremos, aqui, de Saussure e Lacan – para dizer o mínimo, sem sofisticar a questão. Se eu digo que tenho uma bomba, você não precisa se atirar no chão. Bomba não é “bomba” (“em si”). Trago comigo apenas uma notícia bombástica... Dá para perceber? As palavras não carregam a essência das coisas. No Nilo não está a água do rio Nilo... (fosse na TV, o repórter, ao dizer essa frase, estaria mostrando... o rio Nilo; fosse na Globo, lá estaria Zeca Camargo em um barco, para mostrar a água do Nilo). 

PALAVRAS E COISAS I 
Desde os sofistas que sabemos que palavras e coisas não estão “coladas”. Na palavra “rosa” não está o perfume da flor... No Nilo não está a água do rio Nilo; a palavra estupro não “carrega” a essência de “estuprez”. Nos últimos anos, a TV ingressa perigosamente nesse caminho, digamos assim, “pré-sofístico”. Imagem é tudo. Sede não é nada... Lembram? Porque imagem é tudo não se consegue falar das mensalidades escolares sem colocar a imagem da escola, de uma mãe segurando um carnê e um moleque escrevendo em uma mesinha... Uhlalá! Nada mais surpreende. A Globo tentou ensinar filosofia no Fantástico. E a dublé de repórter-filósofa, para ensinar o Mito da Caverna, teve que entrar... onde? Em uma caverna. É demais. Depois ela subiu em um caminhão em movimento, para ensinar... o quê? O movimento da tese heraclitiana. Fico pensando como a filósofa mostraria a Navalha de Ockan... Ela, com uma navalha, fazendo a barba de alguém? Como seria imagem do Cogito? Um ator interpretando Descartes, tomando cerveja em Ulm, na Alemanha? Ou, ainda: de que modo seria uma reportagem sobre o bunga bunga do Berlusconi? Larguei. Vou estocar palavras. Podem vir a faltar. 

PALAVRAS E COISA II – HÁ SEMPRE ALGO INACESSÍVEL E ISSO É INCONTORNÁVEL 
Estamos condenados a interpretar. Quando a televisão insiste em “colar” palavra e coisas (imagens e palavras das quais a imagem fala), está negando a inexorabilidade da interpretação. Há um abismo entre palavras e coisas. Sempre estamos procurando fazer pontes para saltar por sobre essa cesura. Nessa intensa procura, há algo que é inacessível e isto parece incontornável. Ou algo que é incontornável e que, por isto, inacessível. Conteudística ou procedimentalmente, é essa incerteza que, consciente ou incosncientemente, move-nos em direção a essa longa travessia. E essa travessia somente é possível na e pela linguagem. Afinal, como bem disse Heidegger, Die Sprache ist das Haus des Seins; in das Haus wohnt der Mann (a linguagem é a casa do ser; nessa cara mora o homem). Não há um objeto do outro lado do abismo gnosiológico que nos “separa” das “coisas”. E tampouco há um sujeito – assujeitante – capaz de o fazer. Por isso, Stephan Georg é definitivo, ao bradar: kein Ding sei, wo das Wort gebricht. Que nenhuma coisa seja onde fracassa a palavra, ele diz. Onde falta a palavra, nenhuma coisa! A coisa é o que tem a necessidade da palavra para ser o que é. E é Hilde Domin que encerra o butim das palavras: Wort und Ding legen eng aufeinander; die gleiche Körperwärme bei Ding und Wort. Palavra e coisa jaziam juntas; tinham a mesma temperatura a coisa e a palavra...! Mas, acrescento eu, depois se separaram. Daí o trabalho que temos para des-velar esse mistério que existe desde a aurora da civilização. Talvez fazendo uma caminhada antimetafísica: diferenciando (e não cindindo) texto e norma, palavras e coisas, fato e direito... 

Talvez tenhamos recebido o castigo de Sísifo; rolamos a pedra até o limite do logos apofântico e imediatamente fomos jogados de volta à nossa condição de possibilidade: o logos hermenêutico. Eis o castigo ou a glória: a de estarmos condenados a interpretar! Se um texto legal conseguisse abarcar todas as hipóteses de aplicação, seria uma lei perfeita. No fundo, é como se conseguíssemos fazer um mapa que se configurasse perfeitamente com o globo terrestre. Só que já não seria mais um mapa...! 

FERNANDINHO BEIRA MAR E A ARTE DA GUERRA (O LIVRO) 
Leio que, para reduzir penas, presos em presídios federais ganham bônus por leitura de livros. Pensei que era gozação (o governo adora estroinar com o povo). Os presídios estaduais são masmorras e, nos federais, há o incentivo para a literatura... Uau! No Paraná, o juiz concede até 4 dias de desconto da pena para quem, em até 12 dias, ler um livro e apresentar uma resenha. Beira Mar é um voraz leitor. Já leu até a “Arte da Guerra”. E, para cada livro lido, ganhou 3 dias de desconto da pena. Por enquanto, quem “corrige” as resenhas são os juízes. Hum, hum. Desconfio que, logo, haverá concurso para criar uma carreira nova: a de corretores de resenhas nos presídios. Isso é coisa dos intelectuais do Ministério da Justiça. Ou um projeto de alguma ONG. Os criminosos mais perigosos, traficantes, etc, estão se sofisticando com o incentivo à leitura. Não sabia que a simples leitura regenerava. Ora, estelionatários e corruptos sempre foram bons leitores...! O Brasil sempre na vanguarda...! O que foi que eu não entendi nisso? 

“INTERNAUTAS” 
Odeio a palavra “internauta”. Odeio gente que passa o dia twittando e “fazendo “bombar” “imagens”. Não tem o que fazer? Vá ler um livro. PS: o Ministério da Justiça avisa: faça como Fernandinho Beira Mar (meu sarcasmo atingiu o limite máximo): leia um livro a cada 3 dias. Pode pedir emprestado um dos livros destinados aos presos. Há pouco o governo comprou mais 816 títulos, inclusive O Pequeno Príncipe e a Arte da Guerra. É, guerra é guerra! 

BIG BROTHER E A ASCENSÃO DA INSIGNIFICÂNCIA 
O programa Big Brother é a prova de que a humanidade não deu certo. Fracassamos! Nesse ritmo, vamos voltar a andar de quatro. Depois que o P. Bial disse que o BBB era arte como Guimarães Rosa, corri ao supermercado para estocar comida. Mais: estou construindo um bunker. Com um fosso repleto de crocodilos. A cena de sexo sob as cobertas, vista por milhões de pessoas (e crianças), demonstra que o caos é inexorável. Eles “vêm vindo”... Os bárbaros vencerão. Já venceram. Multidões os seguirão. Como zumbis. É a ascensão da insignificância. E eu os receberei no meu bunker, com tanques de azeite fervente. 

O QUE É MAIS IMBECIL? O BIG BROTHER OU “TODOS ESTÃO AQUI, MENOS LUIZA QUE...” 
A humanidade regride dia a dia. Meu bunker está pronto. É uma construção sólida, com paredes de um metro de espessura, fosso repleto de crocodilos e cascavéis, com ponte movediça e canhões apontados para o horizonte. Também tenho uma catapulta. Esse aparato é para me resguardar contra essa choldra, essa massa ignara, essa turba de ignorantes que se deixa levar por coisas estúpidas como essa da frase “todos estão aqui, menos a Luiza, que está no Canadá”. E eu com isso, cara pálida. E eu com isso! Não enche meu saco. É claro que o “inventor” da peça publicitária não pensou nisso. Fora de contexto, a “coisa” estourou nas “redes”. Como é possível que milhões de IGNORAUTAS – essa nova classe de internautas ignorantes (ignorantes internautas) e idiotas – reproduzam essa bobagem? Ignorauta é todo aquele que faz “raciocínios pequeno-gnosiológicos”, ou seja, é um ignorante internauta. E não é “ignorante” de “ignorar”, “de não conhecer”... É ignorante de “inguinorante” (sic)! Trata-se de uma autêntica epidemia: um cantor metido a intelectual – de nome Lenine – abre um show e pergunta: “todos estão aqui, menos Luiza que... “. Uau. Que inteligente esse Lenine. Um pândego. Há que farfalhar. E ter frouxos de riso. Vejamos: todos estão aqui, menos... É profundo. Abissal. Ab grund (abissal em alemão). Façamos uma anamnese da frase: “Todos” significa “a totalidade”. “Aqui” quer dizer “há um lugar”. Lugar... locus...Hum, hum. Na sequência, vem a exceção: mas uma pessoa não veio. Quem seria? A plebe rude aguarda a definição... Quem não teria vindo? Onde está essa pessoa... Luiza não veio. Céus. Mas, por que ela não veio? E onde estaria o primeiro IGNORAUTA que começou essa “corrente”? Sim, porque alguém começou isso. Enfim, o que nos resta é estocar alimentos. O caos é inexorável. É isso. And I rest my case. 

POR FAVOR, NÃO SEJA UM IGNORAUTA – MINHA CAMPANHA NACIONAL 
Por que essa gente, ao invés de ficar clicando/reproduzindo asneiras (asneiras vem de asno), não lê um livro? Por que não faz algo de útil? Converse com a família, largue o computador. Desligue a internet por alguns minutos. Essa nova classe social – os ignorautas – está formando um novo imaginário. E contaminam. Vamos a um restaurante e lá estão as criancinhas brincando na internet, enquanto pai e mãe, cada um, maneja o seu IPAD. Como explicar fenômenos como Michel Teló? Os culpados são os ignorautas. No seu email, não aceite links que reproduzam lixo. Não importa se o cara do Big Brother mostrou o traseiro. Por que você precisa ver isso? Ao clicar e abrir o link, você está se tornando um ignorauta. Esta é uma campanha nacional: não seja um ignorauta. Você pode mais do que isso! Passe adiante (pode ser via internet – é por uma boa causa). 

NÃO TENHO “TUITER”, MAS DOU SUGESTÕES DE FRASES DE ATÉ 140 CARACTERES 
Como não tenho twitter, deixo já, aqui, um enunciado (que pode se transformar em um “enunciado performativo”), para combater essa ascensão da insignificância (não me canso de homenagear Warat e Castoriadis). 

“Luiza não está aqui: a frase estopim da estupidez brasileira. Não façamos mais isso. Não seja um ignorante internauta”. 

Se não der certo, aproveitemos a frase “famosa”. Fica mais ou menos assim: 

“Todos estão twittando bobagens como ‘Luiza...’, menos eu, que estou lendo um livro”. 
Ou, quem sabe: 
“Se até Fernandinho Beira Mar lê livros e recebe desconto de pena por isso, qual é a razão de ficarmos reproduzindo bobagens no twiter? ” Pronto: foram apenas 138 caracteres.

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