"Advogados buscavam lucro fácil", alega Dom Dadeus
Inconformado por ter sido
condenado, juntamente com a Diocese de São João da Boa Vista (SP), a pagar uma
indenização de R$ 940 mil por danos morais, o arcebispo de Porto Alegre, Dom
Dadeus Grings, diz que não vai acatar a sentença, que considera “desrespeitosa”,
e vê no episódio uma “agressão do Judiciário contra a Igreja Católica”.
Em fevereiro de 2007, o juiz
Marcelo Vieira, de Mogi Guaçu, julgou procedente uma ação movida contra o então
bispo e a diocese pelos advogados Gildo Vendramini Júnior, Débora de Almeida
Santiago e Gastão Dellafina de Oliveira. Eles representavam José Roberto Bueno
e outros numa ação de indenização por expropriação contra o município.
O juiz registrou na sentença que
o religioso “fazia insinuações sobre o comportamento ético dos advogados” e
“durante os cultos eram lidos manifestos contra os requerentes, alegando que
estavam se enriquecendo às custas do dinheiro público”.
"O argumento da liberdade de
expressão cai por terra quando é nítido o caráter injurioso", registrou o
juiz.
O magistrado salientou em sua
decisão que "parte dos fatos que servem de causa de pedir desta demanda
foram objeto de ação penal, pela qual o réu foi condenado pela prática de
injúria".
Entendeu que ele agira “não como
cidadão comum, mas como autoridade eclesiástica”, tendo criado uma “situação de
beligerância entre a igreja e os autores”, fato confirmado por todas as
testemunhas.
"As testemunhas afirmaram
que os fatos difamatórios eram divulgados durante e ao final dos cultos, não só
pelo requerido Dadeus, mas por padres e pessoas ligadas à igreja. Assim, a
responsabilidade da Diocese emerge do disposto no artigo 932, inciso III do
Código Civil", decidiu.
O bispo e a diocese foram
condenados a pagar R$ 15 mil (valores da época) a cada um dos advogados.
"Tal montante deverá ser corrigido desde a propositura da demanda e
acrescido de juros de mora de um por cento ao mês desde a citação. Pela
sucumbência, condeno os requeridos ao pagamento das custas, despesas
processuais e honorários da parte contrária que ora arbitro em dez por cento do
valor da indenização."
A decisão foi mantida pelo
Tribunal de Justiça e não cabe mais recurso.
Em sua versão, apresentada em
entrevista na última segunda-feira (28/10), Dadeus relatou que tomou
conhecimento da indenização contra o município de Mogi Guaçu no processo de
desapropriação. Como bispo da região, “escrevi diversos artigos, fazendo
ponderação em defesa do município”.
Dadeus disse que escreveu na
época uma carta particular à família que reivindicava a indenização, “dez vezes
acima do real”, advertindo que os advogados não "deixavam a impressão de
lisura”. A carta chegou às mãos dos advogados, que, ainda segundo o religioso,
começaram a atacá-lo nos jornais, rádio e televisão.
O arcebispo afirmou que “os
juízes bem sabiam que os querelantes [advogados] buscavam lucro fácil” e
“arrolaram a Diocese para garantir o dinheiro”. Sobre o valor da indenização,
disse que “os juízes estão desligados da realidade”, pois “os ministros da
Igreja católica não recebem salários polpudos, como eles, nem amealham
fortunas”.
A resposta ao bispo veio no mesmo
dia, em nota assinada pelo presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do
Sul (Ajuris), João Ricardo dos Santos Costa. Ele considerou inaceitável a
“postura inquisitorial” do arcebispo. E afirmou que o Poder Judiciário “não
admitirá a ofensa generalizada e irresponsável, de qualquer autoridade,
simplesmente pelo fato de ter seus interesses contrariados por decisão
judicial”.
Eis a sentença:
GILDO VENDRAMINI JÚNIOR, DÉBORA
DE ALMEIDA SANTIAGO e GASTÃO DELLAFINA DE OLIVEIRA, qualificados nos autos,
movem ação de indenização por danos morais contra DADEUS GRINGS e DIOCESE DE
SÃO JOÃO DA BOA VISTA, também qualificados nos autos. Aduzem, na inicial, que
em 1985 os autores Gildo Vendramini Júnior e Débora de Almeida Santiago,
advogados, foram constituídos pelos Senhores José Roberto Bueno, sua mulher e
outros, para promoverem ação ordinária de indenização por apossamento
administrativo contra a Municipalidade de Mogi Guaçu. Em 1995, obtiveram, em
sede de recurso de apelação, julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, a
condenação da municipalidade ao pagamento da indenização pelo ato expropriatório,
sendo que anos depois houveram por celebrar acordo. Relatam que no ano de 1995,
antes do desfecho da demanda expropriatória, o réu Dadeus Grings, por conta de
seu cargo de Bispo da Diocese de São João da Boa Vista, enviou uma carta
dirigida à família Bueno, clientes dos autores, insurgindo-se contra a
condenação sofrida pelo município na ação mencionada, não poupando críticas ao
Judiciário e denegrindo a imagem e lisura dos dois primeiros autores. Ainda
descontente e arvorando-se zelador da Municipalidade de Mogi Guaçu, passou a
escrever inúmeros artigos publicados pela imprensa local aonde tecia críticas
aos credores dos valores a receber. Pela ofensa sofrida na correspondência
enviada a seus clientes, os dois primeiros autores pediram formalmente
explicações de sua conduta, que foram prestadas perante a MM Juíza em exercício
na 1ª Vara desta Comarca, tendo os mesmos contratado os serviços profissionais
do co-autor Gastão Dellafina de Oliveira, que após essa incumbência passou
também a receber críticas e ofensas do réu. A imprensa local veio a noticiar
toda a questão, tendo os vereadores desta Comarca prestado solidariedade ao réu
e iniciando-se assim a exposição pública dos autores Gildo e Débora. Ainda não
contente com o tumulto que iniciara na vida pessoal e profissional dos autores,
enviou correspondência ao Presidente da Ordem dos Advogados de Mogi Guaçu
questionando atitudes e medidas a serem tomadas contra os autores fazendo
publicar o texto na imprensa local com o título “O processo de calúnia”,
alvoroçando ainda mais a mídia. Os autores por única vez manifestaram-se
através da imprensa, em 15/06/96, salientando que não voltariam ao assunto
através dos jornais, prosseguindo perante o Poder Judiciário para preservarem
seus nomes, caráter e honra. Rejeitada a queixa, por julgá-la inepta, pela MM
Juíza em exercício da 1ª Vara, encheu-se de orgulho o réu que enviou nova
correspondência para Juíza prolatora da decisão, elogiando-a, inserção esta que
obteve publicidade causando ainda maiores transtornos aos autores, tornando
seus nomes junto a comunidade católica da Comarca e região novamente
enxovalhados. Tendo a sentença que rejeitou a queixa crime sido reformada pelo
Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, determinando-se a ação penal,
passou o réu a fazer mais publicidade em jornais locais e da região, lançando
campanha cerrada e difamatória, chegando ao despropósito de desaconselhar os
“fiéis” a contratar os serviços profissionais dos autores, determinando ainda,
aos padres nas missas celebradas em Mogi Guaçu e na região da diocese, a
leitura de todos os artigos, notadamente nas homilias das missas de Domingo,
cujas cópias eram entregues aos fiéis, que as liam, levavam para casa, jogavam
pela redondeza, divulgando mais e mais a campanha lançada pelo réu contra os
autores. Mesmo o réu sendo condenado no processo crime, não se conteve,
prosseguindo nas suas acusações contra os autores, lançando-as ao público
através de artigos publicados nos periódicos locais e da região, assim perdurando
esse calvário por anos. Neste ínterim, a Igreja aproveitando o 7º aniversário
de ordenação episcopal do réu, preparou uma comemoração que foi um ato de
desagravo pela condenação do mesmo, convocando todos os fiéis da diocese.
Afirmam os autores que diante desse quadro, sofreram prejuízos de ordem moral e
material e requerem a a condenação dos réus no pagamento de indenização em
valor equivalente a, pelo menos, mil e quinhentos salários mínimos para cada
um. Com a inicial vieram documentos (fls.36/191). Citados, os requeridos
apresentaram contestação (fls. 204/215 e 217/226). A Diocese suscitou
preliminarmente ser parte ilegítima para figurar no pólo passivo, a
ilegitimidade do terceiro requerente Gastão Dellafina de Oliveira, a decadência
pela Lei Especial e a prescrição civil. No mérito, aduz a irregularidade do
terceiro requerente por não ter sido parte querelante da Queixa Crime, o fato
dos artigos serem assinados por “Dom” e “Bispo Diocesano” não significarem a
representação da Diocese. Assevera ainda que não houve prejuízo ou dano moral
aos dois primeiros autores pelos fatos narrados na inicial e questiona o valor
pleiteado a título de indenização. Dadeus Grings aduziu preliminarmente a
ilegitimidade passiva da Diocese de São João da Boa Vista, a ilegitimidade do
terceiro requerente Gastão Dellafina de Oliveira, a decadência pela Lei
Especial e a prescrição civil. No mérito, aduz a irregularidade do terceiro
requerente por não ter sido parte querelante da Queixa Crime, o não
envolvimento da ré-Diocese, a ausência de prejuízo ou dano moral aos dois
primeiros autores pelos fatos narrados na inicial e ainda impugna o valor
pleiteado a título de indenização. Junta documentos (fls. 217/228 Registre-se
réplica (fls. 241/249). O feito foi saneado com o afastamento das preliminares
suscitas e a designação de audiência de instrução (fls. 261/264). Durante a
instrução, foram ouvidas quatro testemunhas arroladas pelos requerentes, uma
testemunha arrolada pela requerida “Diocese” e uma testemunha arrolada pelo requerido
“Dadeus” (fls. 329/335). Por carta precatória foram ouvidas mais quatro
testemunhas arroladas pelos requeridos (fls. 365 e vº, 384/386, 399/400).
Encerrada a instrução, as partes apresentaram memoriais (fls. 407/421, 425/433,
434/442). É o breve relatório. Fundamento e decido. As preliminares foram
corretamente repelidas pela r. decisão de ordenação do feito (fls 261/264), na
qual encampo suas razões de decidir. Passo ao desate da lide. Os autores foram
alvo de diversas investidas do primeiro requerido, autoridade eclesiástica da
igreja católica com então atribuições na Diocese de São João da Boa Vista.
Conforme cópias das publicações encartadas nos autos, o requerido “Dadeus” além
de tecer comentários sobre ação judicial em que os autores contendem com o
Município, fazia insinuações sobre o comportamento ético dos advogados,
inclusive perante os clientes, mandando correspondência diretamente para os
constituintes dos autores. Ainda, em cultos e mensagens aos freqüentadores da
igreja procurava denegrir a imagem dos profissionais. Tais fatos encontram
sólido arrimo probatório nos recortes encartados nos autos e também na prova
oral colhida em audiência. As testemunhas foram uníssonas (fls. 329/335) em
afirmar que se criou uma situação de beligerância entre a igreja local e os
autores. Durantes os cultos eram lidos manifestos contra os requerentes,
alegando que estavam se enriquecendo as custas do dinheiro público (fl. 330).
Saliento que parte dos fatos que servem de causa de pedir desta demanda foram
objeto de ação penal, pela qual o réu foi condenado pela prática de injúria
(fls. 131/141 e 182/188). Desta forma, a autoria e a culpa são certas na forma
do disposto no artigo 1525 do Código Civil de 1916, cujo preceito foi repetido
no artigo 935 do atual código. O argumento da liberdade de expressão cai por
terra quando é nítido o caráter injurioso das assertivas. Ainda, a diocese é
responsável pelo ato praticado pelo seu Bispo, haja vista que este agiu como
preposto, sempre se impondo, não como cidadão comum, mas como autoridade
eclesiástica. Ainda, as testemunhas afirmaram que os fatos difamatórios eram
divulgados durante e ao final dos cultos, não só pelo requerido Dadeus, mas por
padres e pessoas ligadas à igreja. Assim, a responsabilidade da Diocese emerge
do disposto no artigo 932, inciso III do Código Civil. Também neste sentido já
decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo: INDENIZAÇÃO - Responsabilidade
civil - Dano moral - Lei de Imprensa - Igreja - Injúria e difamação - Prática
durante sermão, no púlpito, retransmitido por emissora de rádio, da qual é
proprietária - Legitimidade passiva de parte - Hipótese, ademais, de dupla
co-responsabilidade - Aplicação analógica da Súmula n. 221 do Superior Tribunal
de Justiça - Recurso não provido JTJ 241/93 Passo a quantificação da
indenização pretendida. Os autores são advogados que há muito tempo militam na
Comarca. Assim, para trazer uma compensação pelo infortúnio, arbitro o valor da
indenização em quinze mil reais para cada autor. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE
a ação proposta, e o faço para condenar os requeridos DADEUS GRINGS e DIOCESE
DE SÃO JOÃO DA BOA VISTA, a pagarem aos autores a quantia de R$ 15.000,00 para
cada parte vencedora. Tal montante deverá ser corrigido desde a propositura da
demanda e acrescido de juros de mora de um por cento ao mês desde a citação.
Pela sucumbência, condeno os requeridos ao pagamento das custas, despesas
processuais e honorários da parte contrária que ora arbitro em dez por cento do
valor da indenização. Declaro extinto o processo, com resolução da lide, na
forma do artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil. PRIC. Mogi Guaçu,
28 de fevereiro de 2007. MARCELO VIEIRA Juiz de Direito
Um comentário:
leiia esta do site http://www.espacovital.com.br/noticia_ler.php?id=25860
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