“A justiça sustenta numa das mãos a balança que pesa o direito, e na outra, a espada de que se serve para o defender. A espada sem a balança é a força brutal; a balança sem a espada é a impotência do direito” - Rudolf Von Ihering



sexta-feira, 23 de abril de 2010

Luiz Gama, o liberto que virou advogado dos escravos

                             

(*) Justiça na História



No rol dos brasileiros esquecidos, negligenciados pela historiografia, despontou, durante muitos anos, Luiz Gama. Graças, no entanto, ao esforço de intelectuais, pesquisadores e instituições, felizmente esse cenário vem mudando nos últimos anos.

Luiz Gonzaga Pinto da Gama nasceu na cidade de Salvador, na Bahia, no dia 21 de junho de 1830. O pai, até hoje desconhecido, era um fidalgo português que viveu com Luiza Mahin, escrava que se destacou por sua participação na Revolta dos Malês, importante rebelião ocorrida na capital baiana em 1835. Da união do casal, nasceu Luiz Gama.

Vendido como escravo pelo próprio pai, quando contava dez anos de idade, Gama foi analfabeto até os dezessete anos. Liberto apenas quando contava dezoito anos, estudou Direito como autodidata em São Paulo. Tentou frequentar aulas nas Arcadas do Largo de São Francisco, mas foi repelido pelos colegas, brancos e em grande parte integrantes da elite escravocrata que mandava no País.

Poeta e jornalista, produziu significativa literatura abolicionista, tendo como amigo leal e companheiro de lutas seu conterrâneo Rui Barbosa, com quem, inclusive, chegou a dividir espaço num memorável jornal, O Radical Paulistano.

Mesmo como rábula, ou seja, sem ter se formado na Faculdade de Direito, Luiz Gama brilhou na advocacia. Impetrou nos tribunais paulistas, com êxito e absoluto pioneirismo, centenas de Habeas Corpus em favor da libertação de negros escravos.

Já advogado reconhecido por seus pares e admirado pelo povo, Luiz Gama teve escritório com dois professores catedráticos (como se chamavam antigamente os professores titulares), Dino Bueno e Januário Pinto Ferraz.

O herói do povo brasileiro faleceu em 24 de agosto de 1882, aos cinquenta e dois anos de idade.

Redescoberto pela história

Segundo relatos de contemporâneos, como o escritor Raul Pompeia, o cortejo fúnebre de Luiz Gama parou a cidade de São Paulo. O caixão foi sendo passado de mão em mão, pelas ruas da cidade, por milhares de pessoas ávidas por prestar homenagem ao advogado morto.

No início do século XX, as láureas continuavam a todo vapor, e o advogado dos escravos foi escolhido para ser um dos quarenta patronos da Academia Paulista de Letras.

Rui Barbosa cuidou, a vida toda, de render loas ao companheiro de lutas, inclusive em discursos como presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros, eleito para o cargo em 1914.

Os anos transcorreram, as décadas se acumularam, e a memória de Luiz Gama foi varrida para a zona cinzenta da história. Nos últimos anos, contudo, sua trajetória tem sido cada vez mais lembrada e enaltecida.

O professor Fábio Konder Comparato, em artigos para a imprensa, tem ajudado a divulgar o legado do líder abolicionista, mostrando que o seu exemplo deve iluminar as lutas atuais da sociedade civil brasileira em favor da dignidade do povo brasileiro.

Em 2007, a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, com apoio da Associação dos Antigos Alunos, da maçonaria e da Secretaria de Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, em desagravo histórico, entronizou um retrato a óleo de Luiz Gama em espaço nobre das Arcadas, a Sala Visconde de São Leopoldo, voltada a celebrações festivas e solenes.

Em agosto de 2009, o Instituto dos Advogados Brasileiros, primeira entidade a congregar profissionais do Direito no País, fundada em 1843, instituiu a Medalha Luiz Gama. Na ocasião, o professor Comparato proferiu vibrante discurso (clique aqui para ler).

Estudos acadêmicos sobre Gama, alguns deles publicados em livro, têm crescido nos últimos anos.

Em 2009, o advogado trabalhista Nelson Câmara publicou alentado ensaio sobre a história da escravidão no Brasil, o livro “Escravidão nunca mais! – um tributo a Luiz Gama” (Editora Lettera.doc, 520 páginas). Na obra, o pesquisador traça rico perfil biográfico do advogado baiano.

Agora em 2010, Nelson Câmara volta à carga, com o lançamento de uma detalhada biografia, em que se destaca a notável atuação forense do homenageado em favor da libertação dos escravos. Em pesquisa inédita, no Tribunal de Justiça de São Paulo, Câmara publica mais de uma dezena de Habeas Corpus da lavra de Gama em favor da libertação de negros escravos, além de rica documentação sobre o personagem.

O livro, intitulado O advogado dos escravos – Luiz Gama (também da Editora Lettera.doc), com prefácio do professor e criminalista Miguel Reale Júnior, será lançado no próximo dia 21 de junho, na Livraria Cultura da Avenida Paulista, em São Paulo, justamente na data em que se comemoram os 180 anos de nascimento do homenageado.

Oxalá o esquecimento em relação ao causídico Luiz Gama passe a ser, definitivamente, coisa do passado.

Por Cássio Schubsky

Fonte: Conjur

 
 

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