“A justiça sustenta numa das mãos a balança que pesa o direito, e na outra, a espada de que se serve para o defender. A espada sem a balança é a força brutal; a balança sem a espada é a impotência do direito” - Rudolf Von Ihering



quinta-feira, 8 de abril de 2010

Resumo do informativo 580 - STF

PLENÁRIO

Impedimento de Ministro e Sucessor – 1

Em conclusão de julgamento, o Tribunal proveu parcialmente agravo regimental interposto pela União contra decisão do Min. Marco Aurélio, então Presidente do Supremo Tribunal Federal, que julgara improcedentes os pedidos por ela formulados em embargos à execução de acórdão que julgara procedente, em parte, pedido formulado em ação cível originária. Alegava a agravante a nulidade da decisão impugnada, porque prolatada monocraticamente, ao fundamento de que os embargos opostos à execução do julgado consubstanciariam nova ação de conhecimento, a atrair a competência do Plenário, a teor do disposto nos artigos 5º, IV, e 247 a 251 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal – RISTF. Reiterava, ainda, os argumentos de nulidade da execução e excesso de execução — v. Informativo 310. Preliminarmente, o Tribunal decidiu que o Min. Dias Toffoli, sucessor do Min. Sepúlveda Pertence, impedido, poderia participar do julgamento. Considerou-se, no ponto, a natureza intuitu personae do instituto do impedimento, asseverando não haver comunicação nem do impedimento, nem da suspeição, àquele que sucede.



Competência para a Execução – 2

Em seguida, afastou-se a alegada nulidade da decisão impugnada, por se entender ser da competência do Presidente do STF executar e fazer executar as ordens e decisões do Tribunal, ressalvadas as atribuições dos Presidentes das Turmas e dos relatores, nos termos do art. 13 do RISTF. Ressaltou-se que a União estaria a evocar dispositivos do RISTF que estariam a disciplinar não a execução, mas causas originárias da competência do Tribunal. Observou-se que, conquanto os embargos à execução consubstanciem ação, ter-se-ia que o ajuizamento revelaria incidente da execução, surgindo, então, a competência do Presidente da Corte. No mérito, concluiu-se pela existência de excesso na execução, haja vista a incidência de juros de mora desde 1985 relativamente a parcelas que teriam sido retidas pela União, indevidamente, somente nos anos de 1988 e 1989.



Reclamação e Legitimidade de Ministério Público Estadual – 1

O Tribunal iniciou julgamento de reclamação ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra acórdão de Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça paulista que, no julgamento de agravo de execução interposto em favor de condenado preso, dera-lhe provimento para restabelecer o direito do executado à remição dos dias trabalhados, cuja perda fora decretada em razão do cometimento de falta grave. Sustenta o reclamante violação ao Enunciado da Súmula Vinculante 9 [“O disposto no artigo 127 da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) foi recebido pela ordem constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite temporal previsto no caput do artigo 58.”]. A Min. Ellen Gracie, relatora, inicialmente, afirmou que o Ministério Público do Estado de São Paulo não possuiria legitimidade para propor originariamente reclamação perante o Supremo, haja vista incumbir ao Procurador-Geral da República exercer as funções do Ministério Público junto a esta Corte, nos termos do art. 46 da Lei Complementar 75/93. Observou, entretanto, que essa ilegitimidade teria sido corrigida pelo Procurador-Geral da República, que ratificara a petição inicial e assumira a iniciativa da demanda. Assim, deferiu a admissão do Procurador-Geral da República como autor da demanda, no que foi acompanhada pelo Min. Dias Toffoli.



Reclamação e Legitimidade de Ministério Público Estadual – 2

Em divergência, o Min. Marco Aurélio considerou que, como o Ministério Público Estadual atuara na 1ª e na 2ª instâncias, ao vislumbrar desrespeito ao citado verbete, seria ele parte legítima na reclamação perante o Supremo. No mesmo sentido votaram os Ministros Celso de Mello e Cezar Peluso. O Min. Celso de Mello também concluiu que o Ministério Público Estadual disporia de legitimação ativa para formular ele próprio, perante o Supremo, reclamação em situações como esta que os autos registram. Ao mencionar que o Ministério Público do Trabalho não disporia dessa legitimidade por uma singularidade, qual seja, a de integrar o Ministério Público da União, cujo chefe é o Procurador Geral da República, aduziu que, entretanto, não existiria qualquer relação de dependência entre o Ministério Público da União e o Ministério Público dos Estados-membros. Acrescentou que, muitas vezes, inclusive, os Ministérios Públicos Estaduais poderiam formular representação perante o Supremo, deduzindo pretensão com a qual não concordasse, eventualmente, a chefia do Ministério Público da União, o que obstaria o acesso do parquet local no controle do respeito e observância, por exemplo, de súmulas impregnadas de eficácia vinculante. O Min. Cezar Peluso, por sua vez, ressaltou que fazer com que o Ministério Público Estadual ficasse na dependência do que viesse a entender o Ministério Público Federal seria incompatível, dentre outros princípios, com o da paridade de armas. Disse, ademais, que se estaria retirando do Ministério Público Estadual uma legitimidade que seria essencial para o exercício das funções dele, as quais não seriam exercidas pelo Ministério Público Federal. Ponderou, ainda, que a orientação segundo a qual só o Procurador Geral da República poderia atuar perante o Supremo estaria disciplinada na Lei Complementar 75/93, em um capítulo que só cuidaria do Ministério Público da União, e que o art. 46 dessa lei, específico desse capítulo, estaria estabelecendo incumbir ao Procurador Geral da República as funções do Ministério Público Federal perante o Supremo, mas não as funções de qualquer Ministério Público. Após, pediu vista dos autos o Min. Ayres Britto.



REPERCUSSÃO GERAL

Efeitos de Decisão Transitada em Julgado: Instituição do RJU e Competência – 1

O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário interposto pela União contra acórdão do Tribunal Superior do Trabalho – TST em que se discute a justiça competente para, após a instituição do Regime Jurídico Único dos servidores públicos federais – RJU (Lei 8.112/90), julgar os efeitos de decisão anteriormente proferida pela Justiça do Trabalho acobertada pelo trânsito em julgado. Alega a recorrente ofensa aos artigos 105, I, d, e 114, da CF, em razão da incompetência da Justiça do Trabalho em relação aos efeitos da execução depois da instituição da Lei 8.112/90, bem como aos artigos 2º, 5º, II, XXIV, XXXVI, LIV e LV, e 22, I, todos da CF, tendo em vista que a Justiça trabalhista deixara de reconhecer a invalidade de coisa julgada inconstitucional, relativa à sentença que considerara devido, aos servidores da Justiça Eleitoral do Ceará, o reajuste de 84,32% referente ao Plano Collor (março/90). Sustenta, ainda, que o título judicial seria inexigível, na forma prevista no § 5º do art. 884 da CLT (“Considera-se inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal.”), porque o Supremo, no julgamento do MS 21216/DF (DJU de 28.6.91), teria concluído pela inexistência de direito adquirido ao citado reajuste.



Efeitos de Decisão Transitada em Julgado: Instituição do RJU e Competência – 2

A Min. Ellen Gracie, relatora, deu provimento ao recurso para declarar a incompetência da Justiça do Trabalho em relação ao período posterior à instituição do RJU e reconhecer, em relação ao período anterior, a inexigibilidade do título executivo judicial, tal como previsto no art. 884, § 5º, da CLT. Examinou, primeiro, a apontada afronta aos artigos 105, I, d, e 114, ambos da CF. Asseverou que, para regulamentar o art. 39 da CF (“A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.”), teria sido editada a Lei 8.112/90, que instituiu o RJU dos servidores públicos federais, e que, até a criação deste, em 1º.1.91, o vínculo dos servidores, ora requeridos, era regido pela Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT. Reportou-se, em seguida, à orientação firmada no julgamento do AI 313149 AgR/DF (DJU de 3.5.2002), no sentido de que a mudança do regime celetista para o estatutário implica a efetiva extinção do contrato de trabalho anteriormente firmado entre o servidor e a União, e de diversos precedentes posteriores no mesmo sentido. Com base nisso, afirmou a impossibilidade da conjugação dos direitos originados do regime celetista com os direitos decorrentes da relação estatutária, em decorrência da inexistência de direito adquirido a regime jurídico, conforme jurisprudência pacífica da Corte.



Efeitos de Decisão Transitada em Julgado: Instituição do RJU e Competência – 3

A relatora frisou que, tendo havido a extinção do contrato do trabalho e não sendo possível aplicar um regime híbrido, seria necessário analisar a competência dos órgãos jurisdicionais no presente caso em dois momentos distintos, quais sejam, antes e depois da instituição do RJU. No que tange às parcelas anteriores ao RJU, reputou ser da Justiça do Trabalho a competência, na linha de vários precedentes do Supremo. No que se refere ao direito a vantagens eventualmente surgidas já na vigência do regime estatutário, entendeu que a competência seria da Justiça Comum, e citou o que decidido, por exemplo, no AI 367056 AgR/RS (DJU de 18.5.2007). Constatou que, ao contrário do que decidira a Corte de origem, não estaria incluída na competência da Justiça do Trabalho, estabelecida no art. 114 da CF, apreciar os efeitos de sentença trabalhista em relação ao período posterior à edição da Lei 8.112/90. Dessa forma, acolheu, neste ponto, a alegação de violação ao art. 114 da CF.



Efeitos de Decisão Transitada em Julgado: Instituição do RJU e Competência – 4

Em seqüência, a relatora, diante da existência de parcelas anteriores à entrada em vigor da Lei 8.112/90, passou a analisar a citada violação ao art. 5º, XXXVI, da CF. Observou que o exercício absoluto de um direito fundamental quase sempre não encontraria lugar na complexidade que emergiria da realidade, e que se reconheceria que, num Estado de Direito, mesmo os direitos mais caros e indispensáveis a uma determinada coletividade não poderiam ter seu pleno exercício garantido incondicionalmente, sob pena de nulificação de outros direitos igualmente fundamentais. Aduziu que tal reconhecimento seria fruto de amadurecimento, da evolução social e política de um povo, a demonstrar valores como o equilíbrio, a ponderação e a eqüidade. Daí, para a relatora, a utilidade do juízo de proporcionalidade ou de razoabilidade no exame das normas conformadoras de direitos fundamentais, que deveria passar pelo crivo dos critérios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Ao se referir ao § 5º do art. 884 da CLT, disse que, no caso sob exame, ter-se-ia, claramente, norma que viabilizaria a rediscussão de questão que, encerrada em sentença judicial transitada em julgado, já se encontraria submetida aos efeitos da coisa julgada. Seria, então, preciso verificar, para fins de reconhecimento da sua compatibilização com a ordem constitucional vigente, se a restrição nela contida estaria ou não autorizada pelo art. 5º, XXXVI, da CF. Registrou ser necessário considerar, nessa análise, que a restrição a direito fundamental constitucionalmente autorizada seria a estritamente indispensável para evitar o esvaziamento de outro direito fundamental. No caso, a lei criaria hipóteses nas quais a coisa julgada seria relativizada, assim como se daria com a ação rescisória, criada por lei cuja constitucionalidade teria sido reconhecida pelo Supremo.



Efeitos de Decisão Transitada em Julgado: Instituição do RJU e Competência – 5

A Min. Ellen Gracie destacou que a harmonização dos dispositivos constitucionais seria de fundamental importância, haja vista preservar características formais próprias do Estado de Direito, assegurando a correta atuação do Poder Público, mediante prévia subordinação a certos parâmetros ou valores antecipadamente estabelecidos em lei específica e, sobretudo, a princípios inscritos na própria Constituição. Com isso, o Poder Público deveria se submeter à ordem normativa do Estado de Direito, seja possibilitando a sua atuação, garantindo o interesse coletivo, seja quando atua protegendo os direitos individuais, criando um verdadeiro obstáculo a sua atuação ilegítima. Considerou que a criação de determinadas hipóteses em que o indivíduo não pudesse invocar a existência de coisa julgada teria por fundamento o respeito a outros dispositivos igualmente constitucionais. Salientou que a nociva manutenção de decisões divergentes do entendimento firmado por esta Corte também provocaria grave insegurança jurídica, o que violaria o art. 5º, XXXVI, da CF. Ademais, a continuidade no pagamento de parcelas que foram depois consideradas inconstitucionais pelo Supremo também estaria em confronto com o princípio da isonomia e a própria competência constitucional desta Corte. A respeito da utilização de instrumentos que possibilitariam a solução da divergência de decisões que tratassem de matéria constitucional, reportou-se ao RE 328812 ED/AM (DJE de 2.5.2008), e, ainda, ao RE 198604 EDv-ED/PR (DJE de 22.5.2009), no sentido de que o Supremo deve evitar a adoção de soluções divergentes, principalmente em relação a matérias exaustivamente discutidas por seu Plenário, já que a manutenção de decisões contraditórias comprometeria a segurança jurídica, por provocar nos jurisdicionados inaceitável dúvida quanto à adequada interpretação da matéria submetida a esta Corte.

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