“A justiça sustenta numa das mãos a balança que pesa o direito, e na outra, a espada de que se serve para o defender. A espada sem a balança é a força brutal; a balança sem a espada é a impotência do direito” - Rudolf Von Ihering



sexta-feira, 9 de outubro de 2009

O Veto Popular nas indicações presidenciais


      Por Fernando Lima
A Consulex publicou notícia, no dia 18 de setembro, referente a uma sugestão do Dr. Cesar Britto, Presidente da OAB, no sentido de que o Senado aprove uma alteração em seu Regimento Interno, para que “todas as indicações feitas pelo Presidente da República, que precisam da aprovação dos senadores, possam ser questionadas e até impugnadas pelos cidadãos”.

Essa notícia foi publicada também na página do Conselho Federal da OAB: http://www.oab.org.br/noticia.asp?id=18019

De acordo com o Dr. Cesar Britto, “a sistemática atual deixa ao Senado uma função quase que homologatória”, e assim o povo deveria ser ouvido a respeito dessas indicações, como no caso do preenchimento da vaga de Ministro do Supremo Tribunal Federal, para a qual foi indicado o advogado José Antonio Dias Toffoli, que foi defendido, aliás, pelo Dr. Cesar Britto, com as seguintes palavras: “Independentemente de títulos acadêmicos ou mesmo de obras publicadas, o exercício continuado da advocacia pode, sim, conferir notório saber jurídico, pois lida com a realidade da vida em sua mais ampla complexidade”.

Não desejo questionar a idéia em si, da suposta necessidade de participação popular no processo de escolha dos magistrados dos tribunais superiores, que tem sido no entanto negada pela maioria dos doutrinadores, devido às suas prováveis conseqüências negativas, no que se refere à independência do Judiciário. O problema, contudo, está no esdrúxulo processo sugerido pelo Presidente da OAB para a implantação desse “veto popular”, através de uma simples alteração no Regimento Interno do Senado Federal, como se o ilustre Presidente da OAB pudesse desconhecer que a Constituição somente pode ser reformada através de uma Emenda Constitucional, elaborada de acordo com o seu art. 60.

A Constituição Federal dispõe, em seu artigo 101:  “O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada. Parágrafo único: Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.” (grifei)

De acordo com o art. 84 da Constituição Federal,  “Compete privativamente ao Presidente da República: (…) XIV - nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, os Governadores de Territórios, o Procurador-Geral da República, o presidente e os diretores do banco central e outros servidores, quando determinado em lei; (…)” (grifei)

De acordo com o art. 52, da Constituição Federal,  “Compete privativamente ao Senado Federal: (…) III - aprovar previamente, por voto secreto, após argüição pública, a escolha de: a) Magistrados, nos casos estabelecidos nesta Constituição;(…)” (grifei)

A Constituição Federal não prevê, evidentemente, o “veto popular” sugerido pelo Dr. Cesar Britto, nem existe qualquer possibilidade jurídica de que o Senado possa transferir aos cidadãos a sua competência constitucional acima referida. O Regimento Interno do Senado Federal é aprovado por uma resolução, que nada mais é do que uma das normas infraconstitucionais elencadas no art. 59 da Constituição Federal, e que não serve, absolutamente, para introduzir qualquer alteração no texto constitucional. Se os dispositivos acima referidos determinam que os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República com a aprovação do Senado Federal, é evidente que o Senado não pode transferir aos cidadãos a sua competência privativa, e muito menos através de uma simples “alteração em seu Regimento Interno”.

Quando se trata de reformar a Constituição, somente o Congresso Nacional pode faze-lo, no exercício do poder constituinte derivado, e desde que respeite, evidentemente, todas as limitações processuais, circunstanciais e materiais constantes do art. 60 da Constituição Federal.

Portanto, reformar a Constituição, para implantar o veto popular nas indicações dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, através de uma simples alteração do Regimento Interno do Senado Federal, é uma idéia tão absurda, que não poderia ter partido do Dr. Cesar Britto, a quem o exercício continuado da advocacia certamente já conferiu notório saber jurídico, nem do Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, instituição que possui legitimação universal, nos termos do art. 103 da Constituição Federal e no desempenho da missão que lhe foi atribuída pelo art. 44, I, do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994), para ingressar perante o Supremo Tribunal Federal com Ações Diretas de Inconstitucionalidade, contra qualquer ato normativo federal ou estadual que conflite com a Constituição.

Aliás, qualquer ato normativo, e até mesmo uma Emenda Constitucional, pode ter questionada a sua regularidade em face da Constituição. A própria OAB acaba de questionar uma Emenda Constitucional, no recentíssimo caso da retroatividade da “Emenda dos Vereadores”, a Emenda Constitucional nº 58, de 23.09.2009, que foi impugnada em duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, uma do Procurador-Geral da República e outra assinada pelo próprio Presidente do Conselho Federal da OAB, Dr. Cesar Britto, ambas de 29.09.2009, e que já foi liminarmente suspensa pelo Supremo Tribunal Federal, através de Decisão da Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, que deferiu liminar para suspender a eficácia do artigo 3º, inciso I, dessa Emenda Constitucional, que determinava que a alteração no cálculo do número de vereadores já deveria valer para as eleições de 2008.

Fernando Lima
Professor de Direito Constitucional

Para ver o artigo original,(Aqui).

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