“A OAB está afônica”. É assim que o advogado Leandro Pinto, que concorre à presidência da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, define a situação da entidade. “A advocacia está no fundo do poço. Se não mudarmos isso, a nossa profissão será exterminada”, afirma o mais jovem dos quatro candidatos ao cargo na primeira entrevista que Última Instância realiza com os concorrentes para presidir a mais importante seccional e com maior número de advogados inscritos do país.
Essa é a segunda tentativa do mais jovem dos candidatos, com 33 anos. Nas eleições para o cargo em 2006, quando o atual presidente da OAB-SP Luiz Flávio Borges D’Urso foi reeleito, Leandro Pinto ficou em terceiro lugar e obteve 4.105 votos, ou seja, 3,27% do total registrado —com 3,6% dos votos válidos.
Com críticas à tentativa de D’Urso de se eleger ao terceiro mandato, o especialista na área cível e comercial é enfático ao defender o fim do empobrecimento dos advogados. “O advogado tem que ganhar bem. Se não ganhar bem não adianta prerrogativa. A prerrogativa dele é quanto ele tem no banco”, diz.
Para ele, que afirma que não irá concorrer à reeleição se for eleito, a advocacia não tem lobby e por isso vem perdendo toda a sua força social.
Entre suas principais propostas, focadas na “humanização” da classe, estão a diminuição da anuidade para R$ 350, criação de uma linha de crédito para os advogados, a revisão das terceirizações na entidade, a internacionalização da OAB-SP, a implantação de escritórios virtuais e a criação do Hospital do Advogado. Tudo isso por meio de uma “gestão de transparência” na Ordem, com todas as contas e notas fiscais na Internet.
Trajetória
Atuante no mundo jurídico há mais de uma década, Leandro Pinto nasceu na capital, em 13 de dezembro de 1975, mas mudou-se com a família para o interior. Graduou-se em direito pela Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba) em 1997. É um dos fundadores do IICD (Instituto Internacional de Direito Comparado) e mestrando em direito internacional pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Católico, o advogado é casado e pai de uma filha.
Confira a seguir a entrevista:
Última Instância – Porque a decisão de concorrer à presidência da maior seccional da OAB?
Leandro Pinto – Pela atual condição crítica e triste da OAB-SP. Toda a classe da advocacia, não só em SP mas no Brasil todo, vem vivenciando ao longo dos anos a perda da dignidade. Não existe na Ordem uma política efetiva para resgatar não só direitos que o advogado vem perdendo, mas também a própria estrutura dentro de fóruns e na sociedade. O advogado hoje está desgarrado dentro da nossa sociedade e isso tem que mudar. Em razão disso coloquei meu nome para concorrer. A advocacia hoje está empobrecida, o advogado não é mais dignificado, respeitado dentro dos fóruns, não tem força perante a sociedade para fazer com que o Judiciário e os órgãos administrativos sejam mais prestativos junto às suas obrigações constitucionais.
Última Instância – Acredita ter boas chances de vitória?
Leandro Pinto – Chance de vitória todo mundo tem. Basta ser candidato. Efetivamente se vou ganhar ou perder não importa. O importante é que eu passei uma mensagem para o advogado e para a sociedade.
Última Instância – Quem são os principais nomes da advocacia que o apoiam?
Leandro Pinto – São muitos nomes, não gostaria de citar alguns e acabar esquecendo de outros. Para ficar com alguns: o doutor Johannes Kozlowski, o doutor Paulo de Oliveira e o professor Luiz Antonio Scavone [candidato a vice-presidente em sua chapa]. Além disso, conto com o apoio de várias associações de advogados, como a de Ribeirão Preto.
Última Instância – Qual a razão do nome “Renovação da OAB-SP” de sua chapa? Qual o mote da campanha?
Leandro Pinto – A minha postura será de lutar pela humanização da Ordem. Resgatar primeiro o advogado, sua dignidade e força individual. Não acredito que uma instituição forte possa ter membros fracos. Esse resgate será feito de forma humanizada, pensando primeiro na pessoa, nos advogados e depois na entidade. Advogado forte, entidade forte. O que não ocorre hoje: temos uma entidade relativamente forte, mas enfraquecida pela inoperância doa atuais gestores —e não digo só do atual presidente. Pelo menos todas as ultimas 10 gestões fizeram com que a OAB chegasse aonde chegou hoje.
Última Instância – Esse ano, três candidatos [Leandro Pinto, Hermes Barbosa e Rui Fragoso] atacam a polêmica busca pelo terceiro mandato do atual presidente da OAB-SP, Luiz Flávio D’Urso. Quais são suas críticas a tal reeleição?
Leandro Pinto – Nossa Constituição Federal de 1988 foi categórica ao vedar a reeleição. A mudança posterior, realizada por uma sede de poder do então presidente da República Fernando Henrique Cardoso, permitiu a reeleição, mas por uma vez. O Estatuto da Advocacia é omisso quanto a esse tema, mas acredito que a OAB-SP deve se subjugar à norma constitucional. A reeleição é descabida na Ordem, porque é antidemocrática. A alternância de poder, de pessoas e de ideologias é fundamental para firmar uma democracia —que ainda são muito jovens na OAB e em nosso país, e precisam ser consolidadas.
O exemplo que a OAB dá hoje vai a direção contrária. A mensagem para toda a sociedade é que a reeleição indefinida é possível. Qual será a postura da OAB se um dia um candidato a presidente da República quiser se perpetuar no poder? Será que amanhã ou depois, ao posicionar-se contra uma segunda reeleição, a OAB terá apoio social? A OAB já perdeu tanta representação social e eleger o atual presidente seria o golpe de misericórdia.
É muito simples dizer que essa é a vontade do povo e da classe. A democracia é muito mais complexa do que o mero voto. Alternância de vozes dentro de um mesmo grupo é essencial. Existem ideologias na sociedade e dentro dos grupos. Não acredito que dentro do grupo da atual gestão não tenha um nome capaz para se colocar como presidente. Isso é imposição de um nome. A OAB é pilar da nossa democracia e, assim, tem que ter a sua base na sociedade, sob pena de não representá-la. Se isso acontecer, acabou todo o poder da OAB.
Última Instância – Caso seja eleito, o senhor pretende se candidatar à reeleição na OAB-SP?
Leandro Pinto –Não. Saindo daqui vou concorrer ao cargo de presidente do Conselho Federal da Ordem. Se não ganhar, saio e alguém do meu grupo me substitui. O nosso grupo entrando na OAB, faremos um sucessor e expandiremos ainda mais nosso projeto. Vou cumprir apenas três anos e sairei.
Última Instância – Quais as críticas às duas gestões de D’Urso?
Leandro Pinto – Não vejo a OAB se manifestando em nada na nossa sociedade. Pelo contrário, está dando mau exemplo. Mas minhas críticas não são apenas em relação à gestão do D’Urso. Se analisarmos friamente sua gestão observamos que nada mudou. Não se pode criticar o que não existiu. Na gestão do meu grupo tudo se altera. Os advogados serão dignificados, iremos abaixar a anuidade, criar todos os cursos por meio digital, prestar contas na Internet. Nossas propostas não só são factíveis, como embasadas em estudos numéricos. É possível fazer um trabalho excelente com uma anuidade de R$ 350 e ainda arcar com os débitos da OAB.
Última Instância – Em oposição a tais críticas, quais são as principais propostas de sua candidatura?
Leandro Pinto – Hoje a anuidade da seccional paulista é a maior afronta ao advogado. Somos quase 300 mil profissionais, ou seja, 52% de todos os advogados do Brasil no Estado de São Paulo. Não é cabível que a anuidade de um local com quase 190 mil pagantes cobre o mesmo valor, por exemplo que o Acre, que tem 4.000 advogados. É desproporcional porque a estrutura da OAB em São Paulo é maior, mas o número de advogados é também exponencialmente maior que no Acre, que em Santa Catarina ou Pernambuco.
Para uma entidade que tem 190 mil associados, a anuidade não pode passar de R$ 300. A minha ideia é fixar em R$ 350, pois existem muitos débitos na OAB-SP —ao contrário do que o presidente atual afirma, a Ordem não está saneada; tem uma série de débitos inclusive com a Caasp (Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo).
È preciso acabar urgentemente com a cláusula que afirma que quem determina o percentual recebido pelo advogado é o juiz. O código de processo tem equívocos, e o fato de o magistrado decidir sobre o honorário é o maior deles. O juiz não tem que decidir nada: primeira instância tem que pagar 10%, segunda instância, 20%. O advogado não diz quanto o juiz ganha. E o juiz não pode dizer quanto o advogado vai ganhar.
Além disso, meu grupo pretende instaurar o Hospital do Advogado. Com R$ 50 a mais na anuidade, valor que será cobrado de forma facultativa, o advogado terá direito a um checkup pra ele e toda a família em um centro clínico aqui em São Paulo. Mais pra frente, a idéia é criar o hospital. Enfim, vamos lutar para todos e não para meia dúzia. A OAB não vai ser uma casa de poucos advogados e sim para todos.
Última Instância – Quais as propostas para os jovens advogados?
Leandro Pinto – São eles que mais sofrem com o empobrecimento do advogado. Entram no mercado sem a devida prática legal, apenas o conhecimento teórico. Nossa gestão vai criar diversos centros dentro das OABs para acolher esses jovens. Além disso, vamos criar os escritórios virtuais, onde o advogado poderá atender a seus clientes. O advogado tem que se inserir nesse contexto global e, para isso, vamos firmar parcerias com ONGs internacionais para fornecer cursos de inglês, espanhol e português jurídico —por meio de um curso digital, que poderão ser acessados tanto pela Internet quanto por parabólicas dentro de cada subseção.
A questão do advogado hoje é tão crítica que existem muitos que não têm computador.
Vamos lutar junto ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para a criação de uma linha de crédito específica para os advogados, coisa que nunca ninguém pensou em fazer. Isso vai permitir não só que o advogado possa comprar seu computador como também reforme seu escritório.
Isso é questão de lobby. A advocacia não tem lobby, por isso vem perdendo toda a sua força social. Para mudar isso temos que ter um nome forte à frente da OAB.
Última Instância – E para o interior?
Leandro Pinto – Todas as minhas propostas são globalizadas. Tudo o que proponho hoje vai ser feito na capital e em todo o Estado. Nossa visão é que o advogado do interior é o que mais sofre, pois o de São Paulo ainda consegue clientes. O do interior vive da assistência judiciária. Não é mais cabível que o advogado saia do escritório dele e se locomova a algum lugar para ter um curso. Na nossa gestão isso acaba. Não é cabível que o advogado, para renovar uma carteira, tenha que ir até a OAB, isso é um absurdo. Vivemos em um mundo globalizado em que todos os meios de comunicação devem ser aproveitamos.
Última Instância – Em relação ao remanejamento de despesas: quais os cortes que precisam ser feitos? Como pretende equilibrar orçamento e finanças da Ordem?
Leandro Pinto – Impossível afirmar quais serão os cortes em um primeiro momento, pois hoje a OAB-SP disponibiliza informações muito vagas. Os excessos, que são muitos, serão cortados. O que sabemos é que a despesa com pessoal da OAB-SP é de R$ 52, 2 milhões, o que gera encargos sociais de R$ 18 milhões, ou seja, R$ 70 milhões com pessoal. Não sei porquê nossa administração ainda consegue gastar R$ 25 milhões com terceirização de pessoa física e jurídica. São R$ 100 milhões por ano só de pessoal. Na minha gestão isso será inteiramente revisto. A OAB não precisa dessas terceirizações, que devem acabar imediatamente.
Quanto ao pessoal, não posso dizer agora se tem muita gente lá ou não. Isso tem que ser analisado de forma mais profunda. Até porque nossa gestão não é irresponsável —vamos diminuir aquilo que tem que ser diminuído. E aumentar o que precisa ser aumentado, mas tudo dentro de uma lógica e coerência. Vou fazer um choque de gestão com transparência. Todas as contas e notas fiscais da OAB irão pra Internet, inclusive com referência a gasto de salários. A pessoa poderá saber como foi gasto e com o que foi gasto. Eu desafio o próximo presidente, seja quem for, a fazer uma gestão de transparência na Ordem, que hoje não há.
Última Instância – E quais os investimentos necessários?
Leandro Pinto – A primeira coisa que vamos fazer é um projeto pioneiro no mundo: a internacionalização da OAB-SP. O Brasil tem hoje em torno de 500 mil advogados e é o segundo país do mundo em número de advogados. Mas não tem representação no mundo. Hoje, as bancas norte-americanas dominam o planeta e fomentam para o mercado americano mais de US$ 8 trilhões por ano. A brasileira não chega a 3% disso. Isso tem que ser alterado e é essencial na nossa gestão. Pode-se pensar que isso está muito distante dos advogados, mas não está. É essencial para acabarmos com o empobrecimento dos advogados. Nosso foco é combater o empobrecimento da OAB e do advogado. O advogado tem que ganhar bem, começando na assistência judiciária.
Última Instância – Como pretende retomar as negociações para o convênio da OAB com a Defensoria Pública de São Paulo? É preciso enfrentar essa questão junto ao governo e lutar por uma maior remuneração?
Leandro Pinto – Temos que trabalhar arduamente junto ao governo do Estado para que a tabela da OAB seja seguida. Conseguindo isso, temos que alterar o contrato com a Defensoria Pública, tudo isso feito com muito diálogo. Não se pode aceitar que toda a classe tenha uma tabela e não seja seguida, isso desmoraliza a profissão e o profissional. O resultado dessa questão foi pífio para a advocacia. Aliás, um advogado não poderia assinar aquele convênio porque ele é desleal com a advocacia. Não existe algo que quebre uma tabela instituída por uma entidade de classe. Também nunca ouvi dizer que um representante de uma entidade de classe tenha fechado um contrato com o Estado cobrando valores abaixo da própria tabela. Isso é inédito. Representa o quanto a advocacia está desmerecida nesse país.
O que aconteceu na assistência foi terrível. O contrato é péssimo, mal feito, não teve o detalhamento que deveria ter. Na nossa gestão, por meio de muito trabalho, diálogo, transparência e tranquilidade. Não iremos fazer como fizeram no passado: cancela-se o convênio. Vamos conversar e levar ao governador do Estado as necessidades da nossa classe. Tenho certeza que o governador vai entender que ele não pode pagar para o advogado o que ele está pagando.
Se o Estado abre concurso público para um defensor ou procurador, tem encargos até o dia em que ele for destituído ou se aposentar. Contratando a OAB, o Estado paga por ato, não cria passivo algum. Usa o advogado para cumprir a obrigação do Estado. Hoje, no entanto, temos uma classe, que é o pilar de democracia, sendo explorada.
No mínimo a tabela deveria ser cumprida e não precisa de muito bom senso pra chegar a essa conclusão. O que precisa é vontade política e isso nós temos. Iremos conclamar a sociedade pra lutar junto com a gente. Porque a sociedade que é o objetivo principal. Não só para o governo do Estado como também para a OAB.
Última Instância – A questão do Ipesp foi classificada pela atual gestão como uma vitória, com o acordo e sanção da lei que teria salvo a carteira dos advogados [o plano não pode receber novas inscrições e só deixará de existir totalmente após o atendimento do último beneficiário]. O senhor considera que esse problema foi de fato solucionado?
Leandro Pinto – Fico muito triste de ouvir isso da atual gestão. Porque é subestimar a inteligência alheia. Todo mundo tem pleno conhecimento de que o Ipesp é a materialização da falta de comprometimento não só da atual gestão. Tivemos diversos ganhos para a advocacia em um passado distante e esses ganhos se perderam pelo tempo chegando ao ápice que é agora a questão do Ipesp e até da defensoria. A advocacia se encontra hoje no fundo do poço. Se não mudarmos isso, a nossa profissão caminha para o extermínio, para a extinção. A questão do Ipesp é muito complexa. Não há o que fazer, existe uma lei. E mesmo que se declare a inconstitucionalidade da lei, não vai mudar a questão.
O fato, presente na lei, é que o Estado é responsável por todos que estão na carteira. Mas nós perdemos a carteira. A pessoa que está lá vai receber, mas vai entrar em uma fila de precatórios e eu duvido que estará viva para receber.
Última Instância – A Ordem tem que ser independente politicamente? Isso acontece hoje?
Leandro Pinto – Não podemos ter uma OAB vinculada ao poder político como está hoje. Não há independência alguma. Não sou vinculado a nenhum partido político. Meu partido é o dos advogados do Estado de São Paulo e do Brasil. Se a OAB continuar política, o advogado perde. E os advogados deveriam votar numa pessoa apartidária, que se movesse única e exclusivamente para a classe. Se a ordem não for independente, vai acabar. O advogado é a única peça do xadrez que não vive do Estado e pode ter força pra se mover contra ele, para garantir os direitos individuais. O Ministério Público e a magistratura não podem porque recebem do Estado. O MST, os sindicatos, a UNE, recebem dinheiro do Estado. E a OAB não.
Última Instância – O senhor tem planos de se elegerpara algum cargo político no Executivo ou Legislativo?
Leandro Pinto –Não. Minha maior ambição é ser presidente da OAB Brasil e dignificar todos os advogados do país.
Última Instância – Como o senhor se define politicamente?
Leandro Pinto –Sou um democrata nato. Respeito o próximo e exijo ser respeitado.
Última Instância – Quais são os principais desafios que a classe deve lutar atualmente, após, no último ano, ser aprovada no Supremo Tribunal Federal a inviolabilidade dos escritórios e a súmula que garante o acesso da defesa a processos sob sigilo?
Leandro Pinto – O principal é não permitir que o advogado esteja empobrecido. Uma classe empobrecida não tem voz. O advogado tem que ganhar bem. Se não ganhar bem não adianta prerrogativa. A prerrogativa dele é quanto ele tem no banco. Temos que começar pelo básico. O problema principal é resolver a questão financeira. O advogado tem que ganhar bem, se não ganhar bem, o resto não vai funcionar. É óbvio que ninguém vai entrar no escritório de um advogado que não tem cliente. Não tem o que violar. A questão da inviolabilidade é voltada para os grandes escritórios. Nenhum escritório pequeno ou médio foi violado: a OAB gritou para meia dúzia de privilegiados. A nossa base é para o advogado militante, pequeno, que hoje está sendo aviltado pelo valor da assistência judiciária e pelo valor dos honorários. Só esse advogado vai construir uma OAB que tem voz na sociedade.
Última Instância – Qual o senhor acredita ser o papel da advocacia e da OAB-SP frente às crises políticas como as que enfrentamos hoje? Em São Paulo, a entidade tem ficado alheia às grandes discussões jurídicas e políticas do Brasil?
Leandro Pinto – O papel da OAB tem que ser interpretada de forma global. Teremos sempre diversos desafios, não mais simples como no passado. Hoje a Ordem está à margem. A OAB-SP tem ficado alienada e se mostrado omissa em tudo na nossa sociedade. Não se vê uma manifestação da OAB sobre nada, quando ela é a defensora maior da lei e única entidade com capacitação e representatividade social para mudar a lei.
Não vi uma manifestação da OAB daquele juiz aqui de São Paulo [Fausto De Sanctis, da 6ª Vara Criminal Federal] que descumpriu uma ordem do presidente do Supremo. Aquilo foi vexaminoso para a OAB, porque a entidade foi omissa. A OAB tinha que ter levantado a bandeira de que existem regras básicas dentro de uma estrutura democrática e um juiz não pode desrespeitar uma ordem do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal).
Última Instância – O advogado está cada vez mais desacreditado em nossa sociedade? Por quê?
Leandro Pinto – O advogado está desacreditado por não ter união. Tudo o que está desunido, desagregado, não funciona. Ter dignidade financeira é a base. Se o advogado não tiver dinheiro no bolso não vai ter respeito. A questão financeira fez com que o advogado perdesse representatividade. Quando a OAB permitiu que o advogado se empobrecesse, ela permitiu também que toda a sociedade colocasse o advogado a sua margem, além de permitir que a voz dela e de cada indivíduo que faz parte dela diminuísse. Os advogados do Estado de SP e do Brasil não têm condição de se impor. Quando não tem condição de se impor, não tem respeito do próximo. O dia em que o advogado não representar mais a sociedade nós caminharemos e sem volta para uma ausência de forças democráticas.
Última Instância – È necessário enfrentar ou estabelecer diálogos com o Executivo, o Judiciário e o Legislativo quando preciso?
Leandro Pinto – Precisa ter voz. Não adianta conversar com alguém sem voz. Já viu uma pessoa afônica conversar com alguém? A OAB está afônica. Primeiro colocaremos a casa em ordem, para fazer a OAB ter voz. Amanhã vamos lutar pela sociedade. Hoje temos que lutar pelos nossos direitos básicos. Sem voz não adianta iniciar diálogo com ninguém porque não seremos ouvidos. Qualquer membro do Judiciário ou do poder público que não se adequar na nossa gestão vai ter sérios problemas, porque iremos aos tribunais para representar cada advogado que for desmoralizado no exercício da profissão.
Última Instância – Um tema bastante recorrente quando se fala em advocacia é a proliferação dos cursos jurídicos no país. É possível controlar esse cenário?
O que fazer para melhorar a qualidade do ensino do Direito hoje?
Leandro Pinto – Acho que quanto mais universidades, melhor. O problema não está no número e sim no nível das universidades. O modelo que se implementou é que sou totalmente contra. As gestões da OAB foram omissas nesse assunto, ao permitir que dentro das universidades não se tenha conceito de educação e responsabilidade. A OAB hoje não tem voz pra fazer nada porque está desmoralizada.
Última Instância – Como definiria a atuação do STF hoje?
Leandro Pinto – Tenho visão muito positiva. O Supremo, em seus últimos julgamentos, têm se mostrado condizente com a ordem global, especialmente em assuntos ligados à proteção dos direitos humanos e à dignidade da pessoa humana. Em julgamentos recentes, como a liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias e a ilegalidade da prisão por dívida, o racionalismo prevaleceu e quando isso acontece a sociedade ganha. O Supremo vem caminhando bem, embora a inoperância e omissão do Legislativo façam com que o Judiciário tenha que legislar, o que é um equívoco.
Última Instância – Qual a opinião do senhor a respeito do poder de investigação do Ministério Público?
Leandro Pinto – Da forma como foi colocado é equivocado. Temos que acabar com polícia militar, polícia civil e o MP. Temos que acabar com os três e unir os três. Isso é utópico, não vai ser feito nunca porque nasceu errado e vai morrer errado. Mas o certo seria unir os três em um sistema só. Não pode ter uma polícia aqui, outra ali e o MP acolá.
Última Instância – E com relação ao aborto de fetos anencefálicos?
Leandro Pinto – Prefiro deixar essas questões para os técnicos. Aborto é uma questão social muito complexa. Sou a favor da responsabilização do Estado. Não pode permitir que um indivíduo tire a vida de outro, isso não é permitido, está na lei. Então o aborto não pode ser concebido. Mas também não se pode conceber que uma criança esteja na rua, ou que uma pessoa não tenha dignidade. Como pode o Estado arrecadar o tanto que arrecada e ser irresponsável a ponto de não cuidar das pessoas?
Última Instância – E sobre a união estável de pessoas do mesmo sexo?
Leandro Pinto – Se a pessoa quer se unir com outra, é um problema muito pessoal. Quando você adere ao contrato social, existem alguns direitos que não se tira de uma pessoa: o direito a dignidade, à vida e à escolha por exemplo. O pacto social não pode dizer que uma mulher não vai casar com outra pois quando ela aderiu ao contrato ela não fez essa escolha. Não se abdica do direito de casar, de ser feliz e não se pode permitir que o Estado ceife esse direito. Se a pessoa vai casar com A, B ou C, não interessa.
Última Instância – E com relação à Lei de Anistia de 1979 [o Conselho Federal da OAB entrou com uma ação no Supremo para que seja definido se a lei beneficiou agentes da repressão estatal]?
Leandro Pinto – Essa lei é mais uma mazela de equívocos. As pessoas não foram punidas na época e a lei é ilegal do ponto de vista moral. Além de se antijurídica do ponto de vista dos direitos humanos.
Fonte: Última Instância
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